13 de julho de 2015 | N° 18225
DAVID COIMBRA
Houve uma vez um verão
É verão no Hemisfério Norte. O leitor brasileiro perguntará:
“E o que é que tem?”. Pois tem. As mudanças de estação, no norte do mundo, são,
mais que marcantes, quase violentas. Você não vive numa cidade, vive em quatro,
uma por trimestre.
Não por acaso, os americanos medem o tempo pelas estações. Eles
começam frases assim: “No outono de 2011...”. Ora, brasileiros não se lembram
de outonos passados. No máximo, verões.
Tenho um vizinho, no andar térreo, que vive para os verões. Ele
é um senhor de seus 70 anos ou mais. É magro, alto e muito encurvado, como um
ponto de interrogação. Mora sozinho num apartamento com uma grande varanda que
dá para rua. A gente passa pela calçada e enxerga o interior da sala. As
paredes estão cobertas com pôsteres de bandas de rock.
Quando nos mudamos para cá, ele parecia meio casmurro. Nos
cumprimentava com um rosnado. Depois, tornou-se a simpatia em inglês. Passou a
lançar ao ar good mornings vivazes, e sempre comenta sobre a qualidade do tempo.
Agora, nos dias quentes, suspira de prazer:
– Beautiful, beautiful, beautiful day...
Sei por que tanto entusiasmo. Mal a primavera se esvai por
uma curva do Charles River, ele leva para a varanda a sua churrasqueira portátil.
Faz churrasco todas as tardes. Todas, sem falta. E sempre convida umas
velhinhas para partilharem da refeição. As velhinhas mudam. Vão se revezando. Às
vezes é uma só, noutras são duas ou três. Ele assa seu churrasco e conta histórias
e todos riem à grande.
Esse velhinho roqueiro deve ter boas histórias para contar. Na
certa, casos de velhos verões. Imagino que ele e as amigas fiquem na varanda
recordando loucuras pretéritas, ou, quem sabe, momentos suaves em que um mero
toque ou um olhar bastavam para emocionar.
São de turmas diferentes, as velhinhas que visitam meu
vizinho. Certamente as lembranças da varanda são diferentes também.
É assim que a vida faz. Os momentos com um grupo de amigos
simplesmente passam. De repente, por algum movimento dos dias, você começa a
ver menos um amigo que via sempre. Depois, deixa de vê-lo por semanas, meses e
até anos. De vez em quando, você pensa: saudade daquele meu amigo...
Já tive vários grupos de amigos que se desfizeram. Em meados
dos anos 90, montamos uma turma que saía todas as noites, de segunda a segunda.
Íamos sempre ao mesmo bar, o Lilliput. Recordo em especial o verão de 1998. Foi
um verão em que casais improváveis se formaram e casamentos eternos se
desfizeram, um verão em que houve dores e amores e que, em uma única noite,
bebemos 600 chopes, exatos e redondos. Lembro sempre de uma madrugada, já nos últimos
dias de março, quando ergui meu copo e declarei:
– Nunca se esqueçam do verão de 98! Esse verão que se vai. Porque
nós e os verões jamais seremos os mesmos!
A despeito da gravidade do meu discurso, ninguém deu muita
bola. Mas, de fato, nada restou como era. Os verões mudaram, nós mudamos,
aquela turma não existe mais. Hoje, vendo meu vizinho feliz com suas antigas
companheiras, penso que isso deve ser maravilhoso: rever pessoas que foram tão
importantes em certo tempo da vida. Pois, na verdade, elas continuam sendo. Os
anos se sucedem, as turmas se desmontam, mas os amigos ficam, os afetos não se
encerram. Porque o verdadeiro amigo é assim: cada vez que você o reencontra é como
se vocês estivessem vivendo, ainda, o mesmo verão.
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