19 de julho de 2015 | N° 18231
MOISÉS MENDES
A hora do senso comum
A encíclica tem 50 páginas de divagações que poderiam ter
sido escritas por um estudante de Teologia. É frustrante. Bento XVI apresentou-se,
quando assumiu, em 2005, como uma das esperanças do conservadorismo, não só o
eclesiástico, até renunciar, em fevereiro de 2013.
Depois dele, nada de maior repercussão prosperou como reflexão
entre os que tentam acalmar o mundo diante de inquietações e transgressões
diversas. Os conservadores perderam a capacidade de refletir sobre o que os
atormenta.
O conservadorismo lida bem com medos, preconceitos e, se
possível, o diabo. E se sustenta, politicamente, dos resíduos do que um dia
pode ter sido seu pensamento mais complexo. Até virar o que é hoje, a maior
torcida do contra do século 21.
Há torcida contra os gregos, porque seriam preguiçosos e
perdulários. Torcem, há muito tempo, contra Obama. Batem em Obama porque levou
os americanos a aceitarem um sistema de saúde civilizado. Agora, torcem contra
o acordo com o Irã que tenta reduzir a ameaça nuclear. Há torcida organizada
contra os que se dispõem a acolher os migrantes da África.
O conservadorismo brasileiro, por exemplo, torce contra
gays, bolsas, cotas, imigrantes e até contra ciclovias. E chega a torcer contra
um ministro liberal. Cresce a torcida contra Joaquim Levy.
Tudo porque a direita ficou desconfortável no mundo. O
rebaixamento do debate proposto pelo conservadorismo, em todos os níveis, das
redes sociais à academia, precarizou discursos e ações. Sumidades do
conservadorismo nacional reproduzem hoje o que se lê de mais reacionário em páginas
do Facebook.
O conservadorismo já gastou páginas e páginas de jornais e
de livros para responder a outro livro que o incomoda – O Capital no Século
XXI, do francês Thomas Piketty, que mostra, com estatísticas, como o
capitalismo vive de uma deformação, a reprodução da acumulação e da concentração
de renda que até agora eram dadas como virtudes.
Batem em Piketty porque ele não deveria ter jogado luz nos
porões do capitalismo. Batem, agora, no papa Francisco, que perdeu prestígio
entre os conservadores (saudade de Gustavo Corção) porque passou a atacar o que
Piketty ajudou a desvendar.
Esse papa esfola o dinheiro pelo dinheiro, a destruição do
ambiente, o individualismo exacerbado. Bento XVI ficaria satisfeito com a
caridade. Francisco incomoda porque quer transformações.
O conservadorismo, que por tanto tempo, depois da queda do
Muro, dispôs do charme do liberalismo econômico (saudade de Roberto Campos), não
tem mais onde inspirar sua retórica. A crise de 2008 abalou a confiança dos
mercados e dos seus conservadores. O conservadorismo vive dos medos dos seus
seguidores e pode ter, acredite, Donald Trump como mais novo guru.
Ficou tão complicado ser conservador no Brasil, que até o
reacionarismo mais moderado alimenta-se das gritarias do senso comum que domina
as redes sociais. E o senso comum só atrapalha o pensamento.
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