sábado, 18 de julho de 2015



19 de julho de 2015 | N° 18231
MOISÉS MENDES

A hora do senso comum

O pensamento conservador não produz nada de relevante desde a encíclica Deus Caritas Est, do papa Bento XVI, publicada em 2006. Você não se recorda de quase nada da encíclica, que prega a caridade como essência do cristianismo, porque o papa pouco acrescenta a conceitos que a Igreja qualquer igreja explora há séculos.

A encíclica tem 50 páginas de divagações que poderiam ter sido escritas por um estudante de Teologia. É frustrante. Bento XVI apresentou-se, quando assumiu, em 2005, como uma das esperanças do conservadorismo, não só o eclesiástico, até renunciar, em fevereiro de 2013.

Depois dele, nada de maior repercussão prosperou como reflexão entre os que tentam acalmar o mundo diante de inquietações e transgressões diversas. Os conservadores perderam a capacidade de refletir sobre o que os atormenta.

O conservadorismo lida bem com medos, preconceitos e, se possível, o diabo. E se sustenta, politicamente, dos resíduos do que um dia pode ter sido seu pensamento mais complexo. Até virar o que é hoje, a maior torcida do contra do século 21.

Há torcida contra os gregos, porque seriam preguiçosos e perdulários. Torcem, há muito tempo, contra Obama. Batem em Obama porque levou os americanos a aceitarem um sistema de saúde civilizado. Agora, torcem contra o acordo com o Irã que tenta reduzir a ameaça nuclear. Há torcida organizada contra os que se dispõem a acolher os migrantes da África.

O conservadorismo brasileiro, por exemplo, torce contra gays, bolsas, cotas, imigrantes e até contra ciclovias. E chega a torcer contra um ministro liberal. Cresce a torcida contra Joaquim Levy.

Tudo porque a direita ficou desconfortável no mundo. O rebaixamento do debate proposto pelo conservadorismo, em todos os níveis, das redes sociais à academia, precarizou discursos e ações. Sumidades do conservadorismo nacional reproduzem hoje o que se lê de mais reacionário em páginas do Facebook.

O conservadorismo já gastou páginas e páginas de jornais e de livros para responder a outro livro que o incomoda – O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, que mostra, com estatísticas, como o capitalismo vive de uma deformação, a reprodução da acumulação e da concentração de renda que até agora eram dadas como virtudes.

Batem em Piketty porque ele não deveria ter jogado luz nos porões do capitalismo. Batem, agora, no papa Francisco, que perdeu prestígio entre os conservadores (saudade de Gustavo Corção) porque passou a atacar o que Piketty ajudou a desvendar.

Esse papa esfola o dinheiro pelo dinheiro, a destruição do ambiente, o individualismo exacerbado. Bento XVI ficaria satisfeito com a caridade. Francisco incomoda porque quer transformações.

O conservadorismo, que por tanto tempo, depois da queda do Muro, dispôs do charme do liberalismo econômico (saudade de Roberto Campos), não tem mais onde inspirar sua retórica. A crise de 2008 abalou a confiança dos mercados e dos seus conservadores. O conservadorismo vive dos medos dos seus seguidores e pode ter, acredite, Donald Trump como mais novo guru.


Ficou tão complicado ser conservador no Brasil, que até o reacionarismo mais moderado alimenta-se das gritarias do senso comum que domina as redes sociais. E o senso comum só atrapalha o pensamento.

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