24 de julho de 2015 | N° 18236
MOISÉS MENDES
Siglas e apelidos
Um deslize na vida e a Polícia Federal pode pôr a mão no seu celular. Um celular contém todos os recibos de uma vida privada hoje. Imagine a PF vasculhando suas ligações, seus torpedos, e-mails, fotos, jogos. Fizeram isso com o celular de Marcelo Odebrecht.
Abriram o smartphone do empreiteiro e dali saltaram siglas e mensagens cifradas. Odebrecht fazia anotações ao lado de letras das iniciais de nomes. Seriam de políticos, ministros, executivos da empresa e cúmplices do esquema da Lava-Jato.
As anotações divulgadas falam de como escapar do cerco da PF com um plano B (qual seria?), como tentar trancar investigações e conquistar os dissidentes da polícia (contrários ou descontentes com as sindicâncias) e como proteger empregados já presos.
Impressiona a precariedade das dissimulações. Tudo é muito óbvio, dos recados às letras com as iniciais dos políticos. É como se uma criança decidisse brincar de guerra de mensagens em código com os colegas.
Aqui na Zero, por um bom tempo, nos anos 90, os computadores da Redação eram comandados por um sistema que se chamava CSI. Pelo CSI, na troca de mensagens internas as pessoas não eram nomes, mas três letras de identificação (ID), que viravam apelidos.
Essas eram as siglas dos meus colegas de sala: Nílson Souza, NIL; Clóvis Malta, CMA; Suzete Braun, SZT; Francisco Paulo Sant’Ana, FPS. Gilberto Leal ficou famoso como GOL; Leonardo Oliveira era o LEU. Alguns apelidos de colegas que já saíram de ZH: Lurdete Ertel, a ERT; Lauro Quadros, LQU; Eduardo Bueno, o Peninha, era o PEN; Ruy Carlos Ostermann, o RCO; o Luiz Adolfo Lino de Souza, o LAD.
O gestor de todo esse sistema na Redação era OLZ, o grande Olyr Zavaschi, que nos deixou há quatro anos. Até hoje alguns se tratam pelas três letras. A Eleone Prestes será sempre a MEP, assim como Renato Dornelles será o RED. Luiz Augusto Kern me enviou um e-mail dia desses e assinou como LAK. Eu já fui o MSM.
As mensagens eram usadas para trabalho e, claro, para troca de impressões pessoais e, às vezes, íntimas. Os apelidos da Zero se cruzaram tanto que algumas trocas resultaram em casamentos ou separações. E quantas barbeiragens aconteceram no envio de mensagens, algumas quase trágicas.
Imaginemos que um dia, ao acaso, alguém descubra as mensagens trocadas via CSI e tente decifrar conteúdos e apelidos. Aquilo era o nosso Facebook, com todas as nossas imperfeições. Mas sem as patologias expostas no Facebook de hoje.
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