07
de dezembro de 2014 | N° 18006
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Quem segura o giz
Educação,
tema que entra pelos poros: leio O Capital no Século XXI, o inesperado best-seller
de história econômica de Thomas Piketty, tijolo de quase mil páginas que se
deixa ler com impressionante fluência, salvo em 5% do texto, quando o economês
engrossa. O livro é uma inteligente descrição e uma aguda análise da
desigualdade social, de 1780 a
2010, focada nas grandes economias nacionais do mundo ocidental, mas a educação
aparece como ponto focal do debate – ele constata que não existe mecanismo
espontâneo para diminuição de desigualdade, e que a difusão do conhecimento e o
investimento em educação formam a principal força a favor dessa diminuição.
Em
bem outra escala, meus filhos estão estudando na escola pública francesa este ano.
E temos visto diretamente a diferença de exigência com o Brasil (meus filhos
estudam numa escola das mais qualificadas de Porto Alegre, privada, porque como
todo mundo de classe média confortável eu tenho receio da escola pública em vários
níveis – e me envergonho disso). Aqui, são entre seis e oito horas de vida diária
deles dentro da escola, com muita exigência de conteúdo e avaliação o tempo
todo. E não dói além da conta, me parece.
Por
que a diferença? Histórias muito diferentes, para começar. Na generalidade do
Brasil, só agora, na virada de milênio, é que há escola para todos, ainda
deficiente, enquanto na França (mas também na Argentina e no Uruguai) isso está
resolvido há mais de um século. As condições objetivas das escolas também são
muito diversas.
Mas
há outro motivo, que aprendi há uns 30 anos, em conversa com meu amigo e
parceiro Paulo Coimbra Guedes, quando trabalhávamos no colégio Anchieta. Em
certo momento, começo dos anos 1980, apresentamos às coordenações um projeto de
ensino de redação bastante avançado, num metiê que já tinha uma história rica
naquela instituição. O projeto envolvia requintes de avaliação, em que, para
dizer de modo breve, seríamos mais rigorosos na atribuição das notas – e mesmo
assim, como no perverso sistema penal brasileiro para quem tem dinheiro, com
quase infinitas possibilidades de recurso e perdão.
A
coisa ia bem, mas começou a complicar; veio o recado, de cima, de que não deveríamos
forçar muito a barra, porque os alunos, afinal, cansavam, alguns pais reclamariam...
Escola privada tem clientes, que são os alunos e seus pais. E cliente precisa
ser agradado. Bem, claro que gente não acostumada a trabalhar duro estranha
quando precisa trabalhar duro, e era mais ou menos o caso.
O
Paulo, eu e os demais colegas discutíamos tudo, tentando melhorar o trabalho
mas também tentando entender o que era mesmo que significava aquilo tudo. Era
evidente que aqueles alunos iam se dar bem na vida, entrar nas melhores
faculdades, ter os melhores empregos, suceder pais e avós nas empresas,
empreender com sucesso – e isso independia do nosso trabalho, constatávamos. Não
tínhamos lido Bourdieu ainda, mas nossa intuição ia na mesma direção.
E
foi o Paulo que um dia formulou bem a coisa: aqueles alunos eram, em geral,
iguais às elites gaúchas. E o que queriam as elites do Estado? Qual seu
projeto? Elas queriam protagonismo em alguma área ou se contentavam com a gerência?
Quem
ancora um projeto de ensino não é o professor, nem é a direção da escola. Quem
segura o giz, liga o computador, quem afiança a validade das regras na escola são
as elites e, mais difusamente, é a generalidade da sociedade, o Estado, a Política.
Mas se, e quando, elas e eles não têm objetivos ambiciosos, nem se fazem
respeitar..
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