JOSÉ
FUCS -29/11/2013 20h49 - Atualizado em 29/11/2013 21h14
"A década petista é a década da
falácia"
Autor
de um livro sobre os dez anos do PT no poder, o historiador diz que os êxitos
do partido são menores que a propaganda faz crer e que o Brasil é um país de
miseráveis
O
historiador Marco Antonio Villa, na sua casa, em São Paulo. “Classe média não
mora em favela” (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
O
historiador Marco Antonio Villa, de 58 anos, é uma exceção na academia. Ao
contrário da maioria de seus pares nas ciências humanas, Villa é um crítico
duro das práticas do PT e dos governos petistas. Em seu novo livro, Década
perdida – 10 anos de PT no poder (Editora Record), ele resgata os principais
acontecimentos do período e traça um retrato impiedoso dos governos Lula e
Dilma.
Nesta
entrevista a ÉPOCA, Villa critica a gestão econômica do PT e analisa as prisões
dos mensaleiros. Ele também critica o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
por ter sido contra a abertura de um processo de impeachment contra Lula, em 2005.
“Essa é uma dívida histórica que ele tem com o povo brasileiro”, afirma.
ÉPOCA
– Em seu livro, o senhor chama os primeiros dez anos do PT no poder, entre 2003
e 2012, de “década perdida”. Por quê?
Marco
Antonio Villa – Nesses dez anos, o Brasil perdeu uma oportunidade histórica de
dar um grande salto. Não só em termos de crescimento econômico, que foi muito
baixo nos governos petistas, como também para enfrentar os graves problemas
sociais do país. Pela primeira vez na história, tivemos a chance de combinar
uma alta taxa de crescimento com um regime de liberdades democráticas plenas. Até
a explosão da crise financeira, no final de 2008, as condições externas eram
muito favoráveis. A China crescia dois dígitos por ano. Puxava o preço das
commodities e gerava uma renda extra ao país, um dos maiores exportadores
mundiais de alimentos e minérios.
Em
vez de aproveitar o momento, a partir da âncora criada nos anos 1990, com a
queda da inflação e a estabilidade fiscal e monetária, o governo abriu o baú da
história. Desenterrou velhas leituras econômicas, um keynesianismo cheirando a
naftalina, e ideias de presença do Estado na economia cheias de teias de
aranha, dos tempos do governo Geisel, nos anos 1980, que tiveram um alto custo
para o país. Provavelmente, os primeiros três anos do governo Dilma estarão
entre os piores da história econômica brasileira, e a perspectiva de melhora no
curto prazo é baixa.
ÉPOCA
– Nos dez anos do PT no poder, a renda da população subiu, o emprego aumentou,
a classe média se tornou maioria, e a economia teve grandes picos de
crescimento no governo Lula. Faz sentido falar em década perdida?
Villa
– Os êxitos do PT são bem menores do que se propala por aí. Eles são repetidos
de forma tão sistemática e tão eficaz, sem nenhuma resistência da oposição, que
acabam por adquirir um manto de verdade. Em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, mas a
partir de uma base muito baixa. Em 2009, houve uma recessão. Nos outros anos, o
crescimento foi relativamente tímido. Em média, o Brasil cresceu menos que a América
Latina e os países emergentes nesse período.
Os
argumentos do governo, de que a classe média se tornou maioria no país, são
totalmente falaciosos. Classe média não mora em favela nem ganha dois ou três
salários mínimos, ou até menos que isso por mês. Aconteceu é que o PT – como se
fosse o Ministério da Verdade do livro 1984, de George Orwell – começou a criar
novas categorias econômicas para dar êxito a um governo que é um fracasso. Inventou
uma nova classe C, que seria uma outra classe média, diferente da classe média
tradicional, e construiu a ideia de que o Brasil é um país de classe média. Não
é. É um país de miseráveis.
ÉPOCA
– O Bolsa Família não é uma saída para reduzir a miséria no país? Esse crédito
não deveria ser dado ao governo petista?
Villa
– Ninguém discorda de que precisa haver programas assistenciais, mas não só para
a população não morrer de fome. É preciso criar meios para enfrentar a miséria
e a pobreza. Não meios que as petrifiquem, como os programas do PT. O governo
gasta 0,5% do PIB com o Bolsa Família, mas não consegue transformar a vida das
pessoas. Enquanto isso, metade do país não tem saneamento básico, a situação da
infraestrutura é lamentável, e o analfabetismo funcional e real não para de
subir.
"O
PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da pirâmide e o grande capital"
ÉPOCA
– No livro, o senhor dedica um bom espaço aos casos de corrupção, em especial
ao mensalão, e diz que PT não combateu a corrupção como deveria. Só aconteceu
coisa ruim nesses dez anos?
Villa
– Como historiador, não tenho culpa de que o volume de casos de corrupção tenha
sido o maior da história republicana do Brasil. Nunca antes na história deste
país houve tanta corrupção quanto na década petista. Gostaria de que não fosse
assim, mas a sucessão de problemas nos ministérios, de desvios de recursos, nos
dois governos Lula e no governo Dilma, é um recorde. A década petista é a década
do discurso, a década da falácia. Não há realização material.
Que
grande obra pública foi construída nesses dez anos? Que usina hidrelétrica foi
construída nesses dez anos? Nenhuma. A transposição do São Francisco, um
fracasso. Estradas, fracasso. Ferrovias, fracasso. Portos, fracasso. Aeroportos,
fracasso. Há apenas a tentativa de construir alguns estádios de futebol, mas não
resolveremos problemas sociais com coliseus do século XXI. O PT é bom no
palanque, mas um péssimo gestor da economia.
ÉPOCA
– Como o senhor explica, então, os altos índices de popularidade de Dilma nas
pesquisas?
Villa
– Essas pesquisas não servem para nada. Não permitem a compreensão da
realidade, até pela forma como as perguntas são feitas pelos institutos de
pesquisa e respondidas pelos entrevistados. As pesquisas dão apenas uma noção
de como as pessoas veem o debate político. Mesmo tendo uma parcela considerável
dos eleitores, o PT nunca venceu uma eleição presidencial no primeiro turno. Em
2002, quando era oposição, ganhou no segundo turno. Em 2006 e 2010, quando era
governo, idem.
Em 2010,
até uma semana antes do pleito, diziam que Dilma teria 54% dos votos no
primeiro turno. Teve 46%. Sempre há uma superavaliação da popularidade do
governo. Se os índices de popularidade fossem tão altos, o PT teria ganhado as
eleições no primeiro turno, especialmente em 2006 e em 2010. Em 2010, apesar da
derrota, a oposição recebeu 44% dos votos no segundo turno.
ÉPOCA
– Em sua opinião, o que levou o PT a ganhar três eleições seguidas?
Villa
– Com o Bolsa Família e o “Bolsa Empresário”, bancado pelo BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o PT estabeleceu uma sólida
aliança entre a base da pirâmide e o grande capital. Levando em conta que o
Bolsa Família tem 13,5 milhões de famílias cadastradas, e cada família tem, no
mínimo, três eleitores – o pai, a mãe e um filho com mais de 16 anos –, só aí são
50 milhões de pessoas, o equivalente a quase um terço do eleitorado. Ao mesmo
tempo, o governo se aliou a grandes proprietários de terra, construtoras e aos
setores mineral e industrial.
O
BNDES virou um instrumento de enorme eficácia para fortalecer essa aliança
entre o PT e o grande capital. Essas alianças, no topo e na base da pirâmide,
alcançaram tal solidez que, hoje, é muito difícil rompê-las. A oposição não
consegue entender que essa estrutura precisa ser rompida, mas só pode ser
rompida fazendo política. A oposição não sabe fazer política. Quer chegar ao
poder sem fazer política. Não por acaso, foi derrotada nas eleições de 2002, 2006,
2010. Ao que tudo indica será derrotada em 2014 de novo.
ÉPOCA
– A que o senhor atribui essa fragilidade da oposição?
Villa
– De um lado, o PSDB, o principal partido de oposição, não é um partido de fato.
Está na oposição, mas não é oposição. É curioso. No populismo, o símbolo maior
da oposição era a UDN. Nos tempos mais recentes, o PT. Qualquer oposição age
diuturnamente criticando o governo e buscando uma aproximação com a sociedade,
pensando sempre na próxima eleição, como fazia o PT no governo Fernando
Henrique.
O
PSDB, não. A impressão é que o PSDB se sente constrangido de ser oposição. Parece
que executa essa tarefa com desagrado. A oposição tem de ser agressiva. Quando
o governo apresentar seus projetos, a oposição tem de se levantar, falar que
tudo aquilo está errado, como a gente vê na Inglaterra, na França, em Portugal,
na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos.
ÉPOCA
– No livro, o senhor diz que o ex-presidente Fernando Henrique cometeu um erro
grave, ao ser contra o impeachment de Lula em 2005, para investigar sua
participação no mensalão. Por quê?
Villa
– Para mim, Lula é o réu oculto do mensalão. Ele tinha ciência de tudo aquilo,
chegou a ter até dois encontros com Marcos Valério. Pode não ter participado da
organização do esquema, mas era o principal favorecido. Na estrutura do PT, o
chefe da quadrilha, José Dirceu, não faria aquilo sem a concordância de Lula. Agora,
o que fez Fernando Henrique?
Saiu
dizendo que um processo de impeachment de Lula criaria uma crise institucional,
afetaria a economia, o crescimento do país. Essa é uma dívida histórica que ele
tem com o povo brasileiro. No momento em que o PT estava nas cordas, em vez de
levá-lo a nocaute, como o PT faria se estivesse do outro lado, o que o PSDB
fez, por meio de seu principal líder, foi deixar Lula sangrando nas cordas,
acreditando que o nocautearia facilmente nas eleições de 2006.
A
oposição teve medo, e esse medo é que deu combustível para que o PT virasse o
jogo, estabelecesse uma aliança sólida com o PMDB e partidos satélites e
criasse o novo Lula, no último ano do primeiro governo. Esse novo Lula é produto
de uma leitura de conjuntura equivocada e danosa para o futuro do país. E essa
leitura foi feita por Fernando Henrique e pelo PSDB.