sábado, 30 de novembro de 2013


01 de dezembro de 2013 | N° 17631
MARTHA MEDEIROS

De pés descalços

Para quem vive em locais quentes e com praia, andar de pés descalços não é nenhuma novidade.

Já para nós, gaúchos, que passamos a metade do ano usando botas e sapatos fechados, a chegada do verão resgata o prazer de receber diretamente do solo a energia vital que circula pelo corpo todo. Posso estar dando uma importância excessiva ao fato, mas é que andar de pés descalços me remete ao menino das selvas que habitou minhas fantasias da infância, o Mogli. Sapatinhos de cristal sempre me pareceram afetados e apertados demais.

Porém, só fui me dar conta disso, conscientemente, agora, depois de ter feito a viagem pela Tailândia e Camboja que já mencionei na coluna de quarta-feira passada. O que menos levei na bagagem foi algo para calçar. Apenas um chinelo para o dia, uma rasteirinha para a noite e um par de tênis para as aventuras mais radicais – inclusive os tênis ficaram por lá: não sobreviveram às emoções off road vividas de bicicleta em torno do templo de Angkor nesse finalzinho da estação das chuvas cambojanas.

Na Tailândia, o convite para deixar os calçados na porta, antes de entrar nos lugares, é frequente, e isso me fez ter contato direto com a madeira, com o mármore, com pedras rústicas e, principalmente, com a terra: visitando plantações de arroz, andando de barco por aldeias flutuantes, visitando templos e palácios, e mesmo em restaurantes, meus pés reaprenderam a sentir, e não falo de sentir vergonha, ainda que devesse, já que os meus são poucos inspiradores para fetiches. Falo em sentir um grau de pertencimento que o costume e o conforto geralmente impedem.

Se nas vilas e cidades tive o mundo aos meus pés, o que dizer das praias de Krabi, Koh Phi Phi e demais ilhas paradisíacas do sudeste asiático? Pisava na areia de dia e inclusive à noite, jantando a poucos passos do mar, monitorada pela lua. Nem mesmo pés-de-pato coloquei para mergulhar.

Está aí o verão, que nos Estados do norte e nordeste do Brasil não é uma temporada tão diferente do inverno. Nesses casos, os pés descalços já fazem parte da indumentária habitual. Mas para os que têm apenas esses próximos meses para descer do salto, é hora de conceder-se a delícia de sentir o calor e o frio que vem da base.


Perceber o seco e o úmido, o macio e o árido, o liso e o áspero – que absorvamos todas as texturas, sem se importar que esse despojamento nos roube a classe e o charme: aliás, rouba nada, a meu ver. Se, em sentido figurado, somos obrigados a manter os pés no chão o ano inteiro, que o façamos agora também literalmente, pelo simples e relaxante exercício de uma liberdade que anda cada vez menos em uso.

01 de dezembro de 2013 | N° 17631
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

HOMENS QUE POUCO FALAM


Não lembro quando conheci o Vitorinho. Lembro que uma noite ele surgiu na nossa mesa, no bar, e que lá ficou, em silêncio. Na noite seguinte, lá estava o Vitorinho de novo, quieto. E a terceira noite, aí sim, ele a atravessou totalmente calado. Esse é o jeito do Vitorinho. Silencioso, quieto e calado.

Acostumei-me com a presença discreta do Vitorinho na mesa do bar. Estou acostumado com pessoas que não falam em mesas de bar. Tem um amigo meu, cujo nome não declinarei, porque as pessoas são muito suscetíveis, pois tem um amigo meu que fazia o seguinte: todas as noites ele ia com a namorada ao mesmo bar, sentavam-se à mesma mesa, nas mesmas cadeiras, colocavam uma garrafa de cerveja e dois copos entre eles e ficavam quietos.

Não falavam nada, não se tocavam, nem sequer se olhavam. Só bebiam cerveja. Varavam madrugadas no bar, sempre fazendo o mesmo: nada. Ou, melhor: bebendo, apenas. Achava que aquela fosse uma relação muito especial, construída por silêncios significativos, mantida por silêncios consensuais. Mas um dia eles terminaram.

Meu amigo arrumou outra namorada e, também com essa, ele ia ao mesmo bar, sentava-se à mesma mesa e passava a noite inteira em silêncio. Só que com a nova namorada um dia o relacionamento igualmente acabou. Ele conseguiu uma terceira e... adivinhe! O mesmo bar, a mesma mesa, as mesmas cadeiras, a mesma cerveja, o mesmo silêncio.

Esse meu amigo, será que ele tinha sorte e competência para descobrir mulheres que gostassem das mesmas coisas que ele? Ou será que as mulheres são generosas e compreensivas e se adaptam aos hábitos dele para agradá-lo? Ou será que... Não importa. É um enigma. Pessoas silenciosas são enigmáticas.

O Vitorinho parecia-me enigmático. Até que comecei a reparar que, na verdade, ele respeita demais as pessoas. Se ele está falando algo e alguém interrompe, o Vitorinho não protesta, nem manifesta revolta; simplesmente para de falar. E não retoma a sua história, porque logo outro já dá a sua opinião e outro fala de outro assunto e outro interrompe também e um quarto assunto desaba na mesa, espalhando o sanduíche aberto para todo lado, e o garçom chega com os chopes e o assunto do Vitorinho se perde em seu silêncio.

Gostaria de saber o que o Vitorinho ia falar.

Queria que o Vitorinho tivesse conhecido o meu amigo Ricardo Carle. O Ricardo Carle também era dado a silêncios. Um dia sentou-se à nossa mesa alguém muito falante. O Ricardo Carle uma hora se irritou e rugiu:

– Nós viemos aqui pra beber!

Mas, ao contrário do Vitorinho, o Ricardo Carle esperava ser ouvido, quando falava. Exigia, até. Eu achava justo. Os silêncios dele valorizavam sua fala.

A vida é assim. O que vem fácil, vai fácil. Ela ama fácil, desama fácil. Você ganha dinheiro fácil, gasta fácil. Quem fala muito, pouco tem a dizer.

Eu não tenho muito a dizer, por isso às vezes falo bastante, mas às vezes nem tanto.

Já o Vitorinho, esse sim, teria muito a dizer, se o ouvissem na mesa do bar. Me disseram que o Vitorinho era craque no futebol. Olho para ele e desconfio: será? Nunca vi o Vitorinho contando vantagem a respeito. Mas sei que o Vitorinho foi campeão gaúcho de golfe, esse é um dado concreto. E, outro dado concreto, foi campeão brasileiro de tênis. E o Vitorinho é arquiteto dos bons.

E é filho do grande Vitorio Gheno, de quem tenho alguns quadros aqui em casa e os mostro com orgulho a todo mundo que chega. Finalmente, descobri que o Vitorinho também pinta muito. Você duvida? Não pergunte a ele na mesa do bar. Vá a sua exposição de aquarelas das casas mais antigas do Moinhos de Vento, no Hotel Laghetto, até 20 de dezembro. São quadros lindos. Que falam o que o Vitorinho tem a falar.

Homem que pouco bebe

O Lauro Quadros toma um chope por semana. Um único chope a cada sete dias. O Lauro Quadros cuida com desvelo da saúde. Então, nada de excessos. Um copo de chope. Nada mais.

Eu, que ingiro (gosto de escrever ingiro) dezenas, talvez centenas de copos de chope por semana, confesso ter ficado compadecido. Um chopinho só, coitado do Lauro. Mas, depois, refleti um pouco mais sobre este copo solitário. Fiquei imaginando a expectativa do Lauro em relação ao seu copo de chope. No domingo, ele suspira:

– Ainda faltam cinco dias...

Na segunda-feira, se chove, o Lauro vai fazer sua caminhada sob o teto do shopping, que é o que ele faz quando chove, e, ao passar veloz pela praça de alimentação, ele lembra:

– Sexta-feira... Sexta-feira...

Assim o Lauro atravessa a semana, pisando macio em reticências.

Até que chega a sexta-feira.

O Lauro abre os olhos de manhã bem cedo, mira o gesso do teto e sussurra, de si para si:

– Hoje é o dia...

Desabotoa o pijama com parcimônia, tira a redinha do cabelo, alonga o pescoço para um lado e para outro, estrala os dedos e repete, com dentes rilhados de fera feroz:

– Hoje é o dia!

Ao chegar à Rádio Gaúcha, o Lauro está mais radiante do que nunca. O programa Polêmica só faz polêmicas suaves, no Sala o Lauro acaricia o ombro do Kenny, ao voltar para casa ele leva junto um sorriso. Até que chega a hora do chope. O Lauro senta-se à mesa do bar e grita, vitorioso:

– Garçom, traga UM chope.

O chope chega. Dourado. Cremoso. Irresponsavelmente gelado. O Lauro levanta o copo à altura dos olhos, percorre cada centímetro com olhar de amante guloso. Leva-o aos lábios.


E sente o primeiro gole rolando-lhe garganta abaixo, abaixando-lhe a temperatura interna do corpo, esfriando-lhe dos males da semana, fazendo-o feliz como estivesse dando primeiro beijo na mulher amada. Essa é a vantagem do único copo semanal do Lauro. São sempre primeiros beijos, de todos, os beijos mais doces; nunca são o último beijo, quase sempre, o beijo mais amargo.

01 de dezembro de 2013 | N° 17631
PAULO SANT’ANA

Sobre os amigos

Fui convidado a participar da quarta edição anual do Café ZH, um interessante encontro entre colunistas e demais jornalistas de Zero Hora, contando com a presença de autoridades e convidados.

Coube ler aquela coluna que considero a mais apreciada pelos leitores de nosso jornal em 43 anos de minha atividade como colunista aqui.

Foi então que me designaram para ler a coluna Dia do Amigo, em que fiz uma exortação aos meus amigos “que nem sabem que são meus amigos que mais prezo e sobre os quais construí meu equilíbrio vital e que fazem parte do mundo que eu tremulamente ergui em minha vida, tornando-se alicerces do meu encanto pela vida”.

Depois que li aquela coluna naquele ato, aproximou-se de mim o Nílson Souza e me disse: “Estava muito boa a tua leitura rememorativa e no ato havia muitos amigos teus presentes”.

E eu completei: “E inimigos também, Nílson”.

Na solenidade que citei acima, o apresentador era o Iotti. E ele contou um episódio que eu havia esquecido. Ei-lo: anos atrás, entrei na sala do então vice-presidente-executivo Pedro Parente. Ato contínuo, comecei a fumar, quando Pedro Parente me disse que eu não podia fumar em sua sala.

Eu respondi: “Mas eu fumo até na sala do Nelson Sirotsky”.

E Pedro Parente redarguiu: “Mas esta não é a sala do Nelson Sirotsky, é a minha sala”.

Ao que eu contrapus: “Tu és novo na empresa, quero que saibas que todas as centenas, quiçá milhares de salas da RBS, são do Nelson Sirotsky”.

Hoje, não fumo mais na sala de ninguém, respeito os avisos de proibição.

Só fumo agora no fumódromo. Mas eu acho sem graça fumar no fumódromo, assim como acho sem graça fazer sexo no quarto. Sexo para mim, para ter graça, tem de ser feito em todos os lugares, nas calçadas públicas, nos corredores, nas escadas, nos elevadores.

Quanto a sexo, cheguei já à perfeição epicurista de não fazê-lo mais, em qualquer lugar. A impotência me tirou a ubiquidade.

Adoro as palavras compostas: porta-joias, porta-bandeira, tira-gosto etc.

Mas as palavras compostas que mais gosto são as que não têm hífen: corrimão e paraquedas, por exemplo. Porque aglutinam um verbo e um substantivo e têm o significado dúplice, corrimão quer dizer onde corre a mão, paraquedas quer dizer o que para as quedas etc.


E gostei muito quando tiraram o hífen de antessala.

01 de dezembro de 2013 | N° 17631
FABRÍCIO CARPINEJAR

Amigos se casando

O que faz duas pessoas quererem passar o tempo todo juntas? Que loucura é essa? O que move um casal a dividir suas fantasias, seus medos, suas manias? O que tem na cabeça dessa gente que decide casar e se expor ao imprevisível do fim do dia? Dormir lado a lado, acordar lado a lado, grudar nos finais de semana, sentir saudade e se desesperar de preocupação. O que faz alguém ceder metade do seu guarda-roupa, metade de seu quarto, metade de seus sonhos, metade de suas confidências?

O que faz um casal se acotovelar para escovar os dentes no espelho? O que pretende: dormir em paz? Como? É uma ginástica rítmica encontrar o encaixe, a conchinha, o tempo da respiração do outro na cama. E se um levanta, como não se assustar e seguir descansando? É brigar pela televisão, pelo horário de abandonar uma festa, pelo uso das folgas. É ouvir que bebeu demais, é ouvir que falta paciência e não poder mais deslizar pela grosseria impunemente. É criar vexame e ser repreendido.

Não seria mais fácil cada um seguir sua vida e seguir namorando em residências separadas, com ideais separados? Não seria mais fácil não sofrer com contratempos e dores, ser egoísta e breve, não se importar com que o outro está pensando?

O que movimenta o coração dessa gente que se entrega? Essas pessoas insistentes numa história de amor, românticas, ingênuas, que não acreditam em divórcios, apesar da metade dos amigos ser divorciada. São loucos ou desinformados? Ou os dois?

Ninguém tem vontade de avisá-los? Ninguém ficou com vontade de convencê-los a se manter longe do altar? Que p**** de amigos são estes? Que p**** de padrinhos são estes?

Que doideira é esta? Comprar o sorvete predileto e de repente ver que não está mais no congelador. Não experimentaram irmãos para ver que nada permanece no lugar durante a vida familiar?

Não pode ser normal desejar essa dependência quando os dois poderiam ser livres, sem necessidade de prestar contas para onde vai e com quem está.

Olha o esforço que estão se metendo: não há mais como sair de casa e deixar o celular desligado. Olha o quanto sofrerão de ciúmes à toa, de insegurança à toa.

É um caminho sem volta: é dizer “eu te amo” e esperar a resposta “eu te amo”, é dizer “eu te amo muito” e esperar a resposta “eu te amo muito”, é perguntar se o amor é correspondido com receio do despejo.

Para que se incomodar, hein?

Eu sei o motivo. Todo amor é um milagre. O que é o sofrimento perto da sorte de ser amado?

Todo amor é uma comoção. Os pássaros invejam os casais que podem andar de mãos dadas. Os pássaros dariam suas asas para andar de mãos dadas por cinco quadras. Todo amor é uma revolução. As árvores dariam seus frutos para dançar colados pelo menos por uma noite.

Não existe sacrifício, existe doação. Não existe renúncia, existe entrega. Não existe culpa, existe escolha. Ninguém entenderá o que vocês estão vivendo, além de vocês mesmos.

O amor é um segredo a dois. Transforma tudo o que é errado em personalidade. Transforma tudo o que é certo em lembrança.

O amor é coragem. Só pode ser feliz quem não esconde seu rosto. O amor é incurável. Não tem como trocá-lo por nada. É uma amizade cheia de desejo.

Vocês não precisam de explicação porque se compreendem pelo olhar. Não precisam de paz, a confiança é o início da fé. Não precisam temer problemas, basta se abraçar dentro de um beijo. Vocês nasceram sozinhos, mas jamais ficarão de novo sozinhos. Estarão se acompanhando a vida inteira, até depois do fim.

Se um esquecer, o outro vai lembrar. Se um vacilar, o outro vai amparar. São inteiros sendo dois. Mais inteiros hoje do que quando nasceram.


A eternidade tem inveja de vocês.

01 de dezembro de 2013 | N° 17631
VERISSIMO

Uuuuuuuuu...

— Vovó, você se lembra da sua primeira vez?

— Primeira vez o quê, minha filha?

— Que fez sexo.

— Uuuuuuuu...

— Faz tanto tempo assim?

— Espera que eu ainda não terminei. Uuuuuuuuuu...

— Foi com quem?

— Um cadete. Ele ia ser mandado para o front no dia seguinte e disse que queria levar com ele a lembrança da nossa última noite juntos. Não pude recusar. Dali a duas semanas, recebi a notícia de que ele tinha morrido.

— Que front era esse, vovó?

— O front. Da guerra. Não me lembro qual delas. Fiquei chocada com a notícia e me internei num convento, onde fiquei pelo resto da vida.

— Vovó, você viveu num convento?

— Não vivi? Espera um pouquinho. Acho que estou misturando as coisas. Isso foi um romance que eu li. Ó, cabeça.

— Então, quem foi o primeiro?

— O primeiro o quê?

— Com quem você fez sexo, vovó.

— Uuuuuuuuu... Deixa ver. Como era o nome dele... Gilbert qualquer coisa. Gilbert Roland!

— Acho que esse era um ator.

— Não, não, não. Era nosso vizinho. Nos encontrávamos no fundo do quintal, sob a goiabeira. Até hoje não posso sentir cheiro de goiaba que me lembro do Gilbert Roland. Foi o primeiro e o único. Nunca mais amei ninguém.

— Vovó. Você casou com o vovô. Teve cinco filhos com o vovô. Você amava o vovô.

— Tudo fingimento.

— E há quanto tempo você não faz sexo?

— Uuuuuuuuuuu...

— Com quem foi a última vez?

— Eu já era viúva. Um dia bateram na porta. Era o Juan Carlos da Espanha. Na época ele ainda era príncipe. Tinha errado de porta, estava procurando não sei quem. Mandei entrar e começamos a conversar. Assuntos gerais. Ele pediu para ver o meu quarto... E aconteceu. Nunca mais nos vimos. Mas ele não deixa de me escrever.

— Vovó, você tem cartas do rei Juan Carlos da Espanha?

— Estão por aí, em algum lugar.

— E são cartas amorosas?


— Uuuuuuuuuuuu...

01 de dezembro de 2013 | N° 17631
CLAUDIA TAJES

Sorria, você está sendo monitorado

Um dia me deu vontade de ter um futon, aquela almofada gigante que parece um colchão, sabe? Pesquisei um pouco na internet para ver preços e modelos e esqueci o assunto. Já faz mais de um ano. Só que, desde então, cada vez que abro o meu e-mail ou olho para a barra lateral dos anúncios do Facebook, lá está a foto de um futon a me encarar.

O futon que você quer em 3 vezes sem juros, Novas padronagens para o seu futon, Encomende agora o seu futon. Não sei o que fazer para me livrar da perseguição. Já está me lembrando o filme de terror A Geladeira Diabólica, em que um refrigerador mastigava e engolia pessoas. E ainda devia ser autolimpante, porque não ficava sangue na cozinha.

Se eu sumir, favor avisar a polícia sobre o envolvimento do futon.

Sou gremista, mas não quero morar perto da Arena. O difícil é convencer as imobiliárias que vendem empreendimentos por lá. São muitos os e-mails que chegam a cada dia com lançamentos imperdíveis para começar uma nova vida no Humaitá. Até a bolha imobiliária é argumento para empurrarem um imóvel que o pobre do consumidor não quer. Seja como for, não bote o dedo no nariz e sorria. Você está sendo monitorado, e não é de hoje.

Outros produtos oferecidos especialmente para o meu perfil, segundo dizem os e-mails: creme antirrugas, armário para cozinha, celular, curso de desinibição para falar em público e conquistar pessoas, um cruzeiro, Réveillon em Camboriú, forninho do George Foreman e um pênis maior. Mas claro que sempre tem uma margem de erro. Pelo menos é o que eu espero.

Sobre o tal do aplicativo Lulu, esse que permite que as mulheres deem notas para os homens (ou que meninas deem notas para meninos, dada a infantilidade da coisa). Aqui mesmo, em uma reportagem da Zero Hora, uma usuária contumaz declarou que, se fosse criado um aplicativo para os homens avaliarem as mulheres, ela “bloquearia, porque não gosto desse tipo de exposição”. A discussão envolve tecnologia, mas o analógico ditado pimenta nos olhos dos outros é refresco nunca teve tanta atualidade.

Já um aplicativo que serve para muita coisa é o Follow the Art, desenvolvido por duas gurias de Porto Alegre, a Samantha Carvalho e a Juliana Luderitz. Basta baixar de graça na App Store e no Google Play para conhecer as exposições em cartaz na cidade, com informações e mapas.


No ano que vem o Follow the Art vai mostrar também o que acontece em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O bom da internet é isso: para cada tranqueira como o Lulu, surgem muitas e muitas ideias interessantes – o que inclui, claro, as boas bobagens. Trata-se só de escolher.
WALCYR CARRASCO
29/11/2013 20h48 - Atualizado em 29/11/2013 20h48

Abaixo Papai Noel

Por que os pais ainda reforçam essa mentira? Atrás dela, está uma palavra mágica: “Gaste!”

Acho que fui um menino burrinho. Durante anos, todo Natal, eu tentava ver Papai Noel. Minha casa não tinha chaminé. E minha mãe tinha um bazar que também vendia brinquedos. Mesmo abrindo o pacote, embrulhado com os papéis festivos que ela usava nas vendas, eu caía na história de Papai Noel. Todas as manhãs do dia 25, acordava surpreso.

– Mas não vi o Papai Noel.

– Ele passou assim que você dormiu, mas, como estava com pressa para entregar outros presentes, não pôde esperar você acordar – dizia mamãe.

Pacientemente, eu aguardava o ano seguinte. Havia um motivo ambicioso para tanto fervor. Queria ganhar um cavalo branco, de corrida. Minha mãe sempre explicava a falha.

– Papai Noel disse que não tinha espaço para o cavalo aqui em casa. O ano que vem ele dará um jeito.

Foi decepcionante descobrir que Papai Noel não existia. A história ficou tão engasgada que um dos meus primeiros livros infantis, Meu encontro com Papai Noel, fala de um menino que vê o velhinho de barbas brancas no shopping, o segue até sua casa e descobre que é um homem comum e pobre. Ah, sim, o menino quer um cavalo de corrida...

Penso: por que os pais ainda inventam, reforçam essa mentira? Não sou um radical do politicamente correto que quer proibir tudo. Mas os shoppings já estão lotados de Papais Noéis. Há profissionais especializados, que engordam o ano inteiro para ganhar uma grana recebendo as crianças nos shoppings, ouvir seus pedidos e fazer “ho ho ho”. Devem derreter dentro daquela roupa vermelha. É tenso ser Papai Noel. Algum dia um Papai Noel mais nervoso dará uns safanões numa criancinha insistente.

Sua lenda vem do século IV, quando um bispo turco, São Nicolau Taumaturgo, botava, anonimamente, saquinhos com moedas nas chaminés dos mais necessitados. Bem, nem tão anonimamente assim, já que todo mundo ficou sabendo e foi canonizado. Papai Noel também é chamado de São Nicolau.

Mora, para alguns, no Polo Norte. Para outros, na Lapônia, onde vive cercado de elfos mágicos, que trabalham sem ganhar hora extra, nem ter direito a férias ou décimo terceiro salário. Hoje, fabricam até videogames! Sua imagem atual foi criada por Thomas Nest, numa ilustração da revista Harper’s Weekly, que só se popularizou ao ser usada numa campanha da Coca-Cola, em 1931.

Particularmente, fico irritado ao entrar num shopping e ver Papais Noéis com um sorriso eterno. Por trás de toda essa festa há, sim, uma palavra mágica: “gaste”, “gaste”, “gaste”. Mágica para os donos das lojas, claro. É terrível as crianças pedirem presentes que não podem ter, como meu cavalo de corrida. O realmente mais terrível é ter passado esses anos todos com a consciência de que Papai Noel não existe e se tornou só uma invenção lucrativa do Natal.

Eu adoraria que existisse! Faço de tudo para tornar a lenda real. Explico aos amigos e à família que voltei a acreditar em Papai Noel. Ainda não me levam a sério. Qualquer hora dessas, envio as cartinhas diretamente às minhas sobrinhas. Ou se comovem, ou me internam. O mundo acha lindo uma criança acreditar em Papai Noel. Mas é cruel quando um adulto insiste em acreditar que vai achar um presente na chaminé.

Já que a lenda persiste, só resta fazer alguma coisa. Todos os anos, os correios recebem milhares de cartas de crianças pedindo presentes. A gente vai lá, escolhe os pedidos adequados ao bolso. Compra e envia anonimamente. Muitas crianças ficam sem presente, porque extrapolam nos pedidos. Outras ganham, sim, uma surpresa de Natal. Nos últimos anos, tenho escolhido algumas cartinhas. É um sentimento agradável saber que uma criança desconhecida passará o Natal feliz, com um brinquedo que não poderia ganhar da família.

Talvez esse sentimento seja o verdadeiro espírito natalino. Também, sempre me dou de presente uma cesta de Natal, repleta de gulodices. Já para amenizar o regime que farei o ano que vem, quem sabe? Já que Papai Noel não vem, eu mesmo me presenteio. Mas não nego, também ganho bons presentes.

Insisto: abaixo Papai Noel! Qual seu sentido na formação de uma criança, na relação com o mundo? Sonhar é bom, sempre. Mas esse é um sonho cruel. Não entendo insistir numa história, para depois contar que era mentira. Descobrir que Papai Noel não existe costuma ser o primeiro ritual infantil para a entrada no mundo adulto. A primeira dor, a perda de alguém que a criança ama, para então saber simplesmente que nunca existiu.


JOSÉ FUCS -29/11/2013 20h49 - Atualizado em 29/11/2013 21h14

"A década petista é a década da falácia"

Autor de um livro sobre os dez anos do PT no poder, o historiador diz que os êxitos do partido são menores que a propaganda faz crer e que o Brasil é um país de miseráveis

O historiador Marco Antonio Villa, na sua casa, em São Paulo. “Classe média não mora em favela” (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

O historiador Marco Antonio Villa, de 58 anos, é uma exceção na academia. Ao contrário da maioria de seus pares nas ciências humanas, Villa é um crítico duro das práticas do PT e dos governos petistas. Em seu novo livro, Década perdida – 10 anos de PT no poder (Editora Record), ele resgata os principais acontecimentos do período e traça um retrato impiedoso dos governos Lula e Dilma.

Nesta entrevista a ÉPOCA, Villa critica a gestão econômica do PT e analisa as prisões dos mensaleiros. Ele também critica o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por ter sido contra a abertura de um processo de impeachment contra Lula, em 2005. “Essa é uma dívida histórica que ele tem com o povo brasileiro”, afirma.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor chama os primeiros dez anos do PT no poder, entre 2003 e 2012, de “década perdida”. Por quê?

Marco Antonio Villa – Nesses dez anos, o Brasil perdeu uma oportunidade histórica de dar um grande salto. Não só em termos de crescimento econômico, que foi muito baixo nos governos petistas, como também para enfrentar os graves problemas sociais do país. Pela primeira vez na história, tivemos a chance de combinar uma alta taxa de crescimento com um regime de liberdades democráticas plenas. Até a explosão da crise financeira, no final de 2008, as condições externas eram muito favoráveis. A China crescia dois dígitos por ano. Puxava o preço das commodities e gerava uma renda extra ao país, um dos maiores exportadores mundiais de alimentos e minérios.

Em vez de aproveitar o momento, a partir da âncora criada nos anos 1990, com a queda da inflação e a estabilidade fiscal e monetária, o governo abriu o baú da história. Desenterrou velhas leituras econômicas, um keynesianismo cheirando a naftalina, e ideias de presença do Estado na economia cheias de teias de aranha, dos tempos do governo Geisel, nos anos 1980, que tiveram um alto custo para o país. Provavelmente, os primeiros três anos do governo Dilma estarão entre os piores da história econômica brasileira, e a perspectiva de melhora no curto prazo é baixa.

ÉPOCA – Nos dez anos do PT no poder, a renda da população subiu, o emprego aumentou, a classe média se tornou maioria, e a economia teve grandes picos de crescimento no governo Lula. Faz sentido falar em década perdida?

Villa – Os êxitos do PT são bem menores do que se propala por aí. Eles são repetidos de forma tão sistemática e tão eficaz, sem nenhuma resistência da oposição, que acabam por adquirir um manto de verdade. Em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, mas a partir de uma base muito baixa. Em 2009, houve uma recessão. Nos outros anos, o crescimento foi relativamente tímido. Em média, o Brasil cresceu menos que a América Latina e os países emergentes nesse período.

Os argumentos do governo, de que a classe média se tornou maioria no país, são totalmente falaciosos. Classe média não mora em favela nem ganha dois ou três salários mínimos, ou até menos que isso por mês. Aconteceu é que o PT – como se fosse o Ministério da Verdade do livro 1984, de George Orwell – começou a criar novas categorias econômicas para dar êxito a um governo que é um fracasso. Inventou uma nova classe C, que seria uma outra classe média, diferente da classe média tradicional, e construiu a ideia de que o Brasil é um país de classe média. Não é. É um país de miseráveis.

ÉPOCA – O Bolsa Família não é uma saída para reduzir a miséria no país? Esse crédito não deveria ser dado ao governo petista?

Villa – Ninguém discorda de que precisa haver programas assistenciais, mas não só para a população não morrer de fome. É preciso criar meios para enfrentar a miséria e a pobreza. Não meios que as petrifiquem, como os programas do PT. O governo gasta 0,5% do PIB com o Bolsa Família, mas não consegue transformar a vida das pessoas. Enquanto isso, metade do país não tem saneamento básico, a situação da infraestrutura é lamentável, e o analfabetismo funcional e real não para de subir.

"O PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da pirâmide e o grande capital"

ÉPOCA – No livro, o senhor dedica um bom espaço aos casos de corrupção, em especial ao mensalão, e diz que PT não combateu a corrupção como deveria. Só aconteceu coisa ruim nesses dez anos?
Villa – Como historiador, não tenho culpa de que o volume de casos de corrupção tenha sido o maior da história republicana do Brasil. Nunca antes na história deste país houve tanta corrupção quanto na década petista. Gostaria de que não fosse assim, mas a sucessão de problemas nos ministérios, de desvios de recursos, nos dois governos Lula e no governo Dilma, é um recorde. A década petista é a década do discurso, a década da falácia. Não há realização material.

Que grande obra pública foi construída nesses dez anos? Que usina hidrelétrica foi construí­da nesses dez anos? Nenhuma. A transposição do São Francisco, um fracasso. Estradas, fracasso. Ferrovias, fracasso. Portos, fracasso. Aeroportos, fracasso. Há apenas a tentativa de construir alguns estádios de futebol, mas não resolveremos problemas sociais com coliseus do século XXI. O PT é bom no palanque, mas um péssimo gestor da economia.

ÉPOCA – Como o senhor explica, então, os altos índices de popularidade de Dilma nas pesquisas?

Villa – Essas pesquisas não servem para nada. Não permitem a compreensão da realidade, até pela forma como as perguntas são feitas pelos institutos de pesquisa e respondidas pelos entrevistados. As pesquisas dão apenas uma noção de como as pessoas veem o debate político. Mesmo tendo uma parcela considerável dos eleitores, o PT nunca venceu uma eleição presidencial no primeiro turno. Em 2002, quando era oposição, ganhou no segundo turno. Em 2006 e 2010, quando era governo, idem.

Em 2010, até uma semana antes do pleito, diziam que Dilma teria 54% dos votos no primeiro turno. Teve 46%. Sempre há uma superavaliação da popularidade do governo. Se os índices de popularidade fossem tão altos, o PT teria ganhado as eleições no primeiro turno, especialmente em 2006 e em 2010. Em 2010, apesar da derrota, a oposição recebeu 44% dos votos no segundo turno.

ÉPOCA – Em sua opinião, o que levou o PT a ganhar três eleições seguidas?

Villa – Com o Bolsa Família e o “Bolsa Empresário”, bancado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da pirâmide e o grande capital. Levando em conta que o Bolsa Família tem 13,5 milhões de famílias cadastradas, e cada família tem, no mínimo, três eleitores – o pai, a mãe e um filho com mais de 16 anos –, só aí são 50 milhões de pessoas, o equivalente a quase um terço do eleitorado. Ao mesmo tempo, o governo se aliou a grandes proprietários de terra, construtoras e aos setores mineral e industrial.

O BNDES virou um instrumento de enorme eficácia para fortalecer essa aliança entre o PT e o grande capital. Essas alianças, no topo e na base da pirâmide, alcançaram tal solidez que, hoje, é muito difícil rompê-las. A oposição não consegue entender que essa estrutura precisa ser rompida, mas só pode ser rompida fazendo política. A oposição não sabe fazer política. Quer chegar ao poder sem fazer política. Não por acaso, foi derrotada nas eleições de 2002, 2006, 2010. Ao que tudo indica será derrotada em 2014 de novo.

ÉPOCA – A que o senhor atribui essa fragilidade da oposição?

Villa – De um lado, o PSDB, o principal partido de oposição, não é um partido de fato. Está na oposição, mas não é oposição. É curioso. No populismo, o símbolo maior da oposição era a UDN. Nos tempos mais recentes, o PT. Qualquer oposição age diuturnamente criticando o governo e buscando uma aproximação com a sociedade, pensando sempre na próxima eleição, como fazia o PT no governo Fernando Henrique.

O PSDB, não. A impressão é que o PSDB se sente constrangido de ser oposição. Parece que executa essa tarefa com desagrado. A oposição tem de ser agressiva. Quando o governo apresentar seus projetos, a oposição tem de se levantar, falar que tudo aquilo está errado, como a gente vê na Inglaterra, na França, em Portugal, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos.

ÉPOCA – No livro, o senhor diz que o ex-presidente Fernando Henrique cometeu um erro grave, ao ser contra o impeachment de Lula em 2005, para investigar sua participação no mensalão. Por quê?

Villa – Para mim, Lula é o réu oculto do mensalão. Ele tinha ciência de tudo aquilo, chegou a ter até dois encontros com Marcos Valério. Pode não ter participado da organização do esquema, mas era o principal favorecido. Na estrutura do PT, o chefe da quadrilha, José Dirceu, não faria aquilo sem a concordância de Lula. Agora, o que fez Fernando Henrique?

Saiu dizendo que um processo de impeachment de Lula criaria uma crise institucional, afetaria a economia, o crescimento do país. Essa é uma dívida histórica que ele tem com o povo brasileiro. No momento em que o PT estava nas cordas, em vez de levá-lo a nocaute, como o PT faria se estivesse do outro lado, o que o PSDB fez, por meio de seu principal líder, foi deixar Lula sangrando nas cordas, acreditando que o nocautearia facilmente nas eleições de 2006.


A oposição teve medo, e esse medo é que deu combustível para que o PT virasse o jogo, estabelecesse uma aliança sólida com o PMDB e partidos satélites e criasse o novo Lula, no último ano do primeiro governo. Esse novo Lula é produto de uma leitura de conjuntura equivocada e danosa para o futuro do país. E essa leitura foi feita por Fernando Henrique e pelo PSDB.

30 de novembro de 2013 | N° 17630
NILSON SOUZA

Porto-alegrismo

Toda vez que consigo escapar do regime semiaberto da insegurança urbana, gosto de ir a Florianópolis. Tenho parentes e amigos lá, adoro as praias, o centro histórico, o visual da ponte Hercílio Luz, o perfume açoriano de Santo Antônio de Lisboa, o falar cantado dos manezinhos. Tudo é encantador na bela capital catarinense. Os gaúchos, se pudessem, trariam Florianópolis para este lado do Mampituba. Mas não a trocaríamos por Porto Alegre, de jeito nenhum.

Dona Dilma brincou certo com palavras erradas ao dizer que “a maior tristeza do Rio Grande do Sul é que Porto Alegre não é Florianópolis”. Ela queria fazer um agrado aos florianopolitanos, mas acabou pisando no pala dos gaudérios mais sensíveis. Talvez fosse mais adequado dizer que “a maior alegria da gauchada é poder ir a Florianópolis de vez em quando”.

Mas disse e está dito, não me senti ofendido e nem creio que devamos fazer uma revolução por tão pouco. Quando fizemos, é bom lembrar, chegamos a pensar em tomar conta da Ilha do Desterro, mas a turma de Garibaldi – como acontece agora com quem vai pela BR-101 – não conseguiu passar de Laguna.

Voltemos a Porto Alegre, portanto. Dona Dilma, que tem filha e neto gaúchos, que já viveu neste chão e que talvez retorne para cá quando cansar de Brasília, sabe muito bem que nós, nativos e adotivos, devotamos um amor incondicional a nossa cidade. O porto-alegretense Mario Quintana foi magistral na interpretação deste sentimento: “Ó céus de Porto Alegre, como farei para levar-vos para o Céu?”.

É o que gostaríamos todos de fazer. Vale aquele manjado jogo de palavras: a gente até pode sair de Porto Alegre, mas Porto Alegre não sai de dentro da gente. Não é só o pôr do sol do Guaíba, nem apenas essa primavera que floresce a partir da Feira do Livro, nem mesmo o mate domingueiro da Redenção.

O que nos amarra a esta cidade é uma paixão atávica, gravada no nosso código genético. Uma coisa contagiante. Mesmo quem não nasceu aqui acaba pegando esse porto-alegrismo. Veja-se a mineira Dilma. É só ter uma folguinha nos seus afazeres presidenciais e já desembarca por aqui. E não esquece da Leal e Valerosa nem na hora de fazer gracinha. Tudo bem, não vamos nos importar. Nem ficaremos tristes. Até porque a presidente disse a verdade: Porto Alegre não é mesmo Florianópolis. Nem deseja ser.


Por que quereríamos trocar o céu pelo mar se podemos ter os dois?

30 de novembro de 2013 | N° 17630
EDITORIAIS

O REAJUSTE DOS COMBUSTÍVEIS

A busca do ponto de equilíbrio entre a defesa da política econômica e a preservação dos interesses da Petrobras deve passar a nortear as relações entre as autoridades do primeiro escalão e os dirigentes da estatal, estremecidas pelas especulações em torno do aumento dos combustíveis. Espera-se que o impasse comece a ser resolvido com o reajuste determinado ontem.

O que prevalecia até esta sexta-feira era claramente o ponto de vista governamental de que importa muito mais usar os mecanismos à mão para segurar a inflação, o que incluía a contenção dos preços da gasolina e outros derivados, do que atender aos apelos por reajuste. A decisão vinha prolongando a descapitalização da empresa em nome da estabilidade.

Esse retardamento foi uma opção controversa. A Petrobras enfrenta no momento o grande desafio de investir recursos bilionários na exploração do pré-sal. Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta a percepção de analistas de estratégias governamentais que consideram a importância da petroleira como estatal.

Nesse sentido, seria ingenuidade imaginar-se que um grupo do porte da Petrobras possa ser gerido sem intervenções diretas do governo. A Petrobras é uma empresa de Estado e, mesmo que tenha ações em bolsa, se submete às vontades de seu controlador, desde que respeitados os interesses de seus acionistas. É a questão central a ser resolvida.

Até que ponto o Planalto pode interferir nas decisões da empresa, sem que isso comprometa sua integridade e os ganhos dos que nela apostaram poupanças e reservas financeiras? O adiamento do reajuste vinha expondo o dilema e dando sentido às reações de acionistas minoritários, segundo os quais é preciso esclarecer os focos de conflito entre a sua direção e o Ministério da Fazenda.

Há ainda, como componente explosivo, a questão política diretamente relacionada com o período pré-eleitoral. Os preços dos combustíveis, se sabe há muito tempo, prestam-se a manipulações, principalmente às vésperas de pleitos nacionais.

O que não se pode desconhecer é que a Petrobras perde sistematicamente valor em bolsa, vê seu endividamento crescer e tem sido olhada com desconfiança sobre suas reais condições de sustentar os custos da operacionalização do pré-sal. Preservar a empresa e, em consequência, o patrimônio de seus acionistas, é dever do Estado que a controla.


Depois do reajuste agora anunciado, Petrobras e governo não escaparão da definição das linhas gerais de uma política duradoura para correção de preços, ou a estatal estará submetida aos humores de quem tenta centralizar decisões, nem sempre claras, em nome do interesse nacional.

30 de novembro de 2013 | N° 17630
PAULO SANT’ANA

Elevador Atlas

Interessante é que o antigo e prestativo elevador que serve à Redação de Zero Hora há mais de 45 anos tem capacidade para apenas seis passageiros, isso está impresso numa placa no interior dele.

E, quando as pessoas entram nele, eu me incluo logo em sua capacidade máxima.

Mas sempre entra um sétimo passageiro. Eu fico torcendo para que o elevador não caia.

Fiquei pensando: “Por que, sempre que sou um dos seis passageiros permitidos, entra um sétimo?”.

Descubro só agora agora: “Porque todos me consideram um ninguém”.

Escrevi anteontem que eu e meu grupo de análise, somamos quatro integrantes, somos todos gremistas, consideramos finalmente que o problema fulcral do ataque gremista é Kleber.

Escrevi mais: que Barcos é prejudicado por Kleber. E que, além de tudo, Kleber é useiro e vezeiro em reclamar dos árbitros, prejudicando assim o time com esse gesto.

Pois recebi de um jornalista o seguinte texto em defesa do Kleber: “Paulo Sant’Ana, boa tarde. Sou assessor de imprensa do atacante Kleber. Na coluna da última quinta-feira, foi citado que um grupo de análise, do qual o senhor faz parte com outros três gremistas, diagnosticou que ‘o problema fulcral do ataque gremista é Kleber’ e que ‘as atuações falhas de Barcos nos últimos jogos se devem a Kleber’. Fui pesquisar nos meus arquivos a participação de Kleber desde que Renato Portaluppi assumiu a equipe.

Pois os números indicam que na campanha de 37 partidas, entre Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil, o desempenho é 20% menor sem a presença do Gladiador. Em sete jogos de ausência ou pouca participação do camisa 30, cinco em que não participou e dois em que entrou após os 30 minutos do segundo tempo, o Grêmio teve quatro derrotas, duas vitórias e um empate, aproveitamento de 33,3%.

Nas outras 30 oportunidades como titular, foram 14 vitórias, 10 empates e seis derrotas, aproveitamento de 53,3%. Seu texto desta sexta-feira trata de mérito e reconhecimento. Kleber foi, ao longo de todo o campeonato, diretamente decisivo na conquista de pelo menos 12 pontos, algo que certamente faz diferença na conta para que o Grêmio ainda esteja na disputa pela vaga direta à fase de grupos da Copa Libertadores do ano que vem. Lógico que o mais importante seria estar na briga pelo título, mas aí a discussão passa por assuntos outros e o debate seria muito maior.

Kleber marcou no empate em 1 a 1 com o São Paulo, definiu as vitórias por 1 a 0 sobre a Ponte Preta e de 3 a 2 sobre a Portuguesa (último gol), sofreu pênaltis no empate em 1 a 1 com Inter, no primeiro turno, e na vitória por 2 a 0 sobre o Náutico (ambas as cobranças efetuadas por Barcos) e deu assistência para Vargas no 2 a 2 do segundo Gre-Nal. Por fim, espero ter contribuído para as análises do seleto grupo de gremistas. Forte abraço.

(ass.) Bruno Junqueira, jornalista, assessor de Kleber”.


Recebido e publicado, O.K.?

30 de novembro de 2013 | N° 17630
CLÁUDIA LAITANO

Mala do ano

A Rússia tem funcionado para o Brasil como uma espécie de irmão mais velho aprontão que faz o caçula cabeça oca parecer um anjinho por comparação.

Sim, o trânsito no Brasil é um inferno, mas em Moscou, acreditem, é ainda pior – em abril, uma empresa especializada em tecnologia de GPS classificou a capital russa como a cidade com os piores engarrafamentos do mundo. Sim, aqui a gente tem racistas e homofóbicos na Comissão de Direitos Humanos do Congresso, mas a Rússia tem um presidente que manda prender feministas e militantes do Greenpeace.

Nossos milionários não são exatamente educados em Lausanne em termos de bom gosto, mas magnatas russos parecem saídos de uma ópera bufa com orçamento ilimitado para excentricidades.

Se bem que na categoria mau gosto espetacular, temos que tirar o chapéu também para a África do Sul, onde foi inaugurado um hotel temático para turistas que desejam ter uma boa ideia de como é a vida em uma favela sem precisar sujar os sapatos em um bairro pobre de verdade. (Shanty Town, o hotel-boutique maloqueiro, fica na cidade de Bloemfontein, se você ficou interessado.)

Em Porto Alegre, o tatu da Coca-Cola, instalado no Largo Glênio Peres para celebrar a Copa do Mundo, incomodou tanto, que terminou do jeito que todo mundo sabe: murcho e compulsoriamente aposentado. Pois em Moscou, a Louis Vuitton acaba de bater todos os recordes na categoria marketing extravagante em locais públicos ao plantar uma reprodução gigantesca (30m x 9m) da mala mais famosa do mundo em plena Praça Vermelha, a alguns metros do mausoléu de Lenin.

Para além do evidente simbolismo político e histórico, a mala gigante tornou-se uma espécie de monumento involuntário ao capitalismo deslumbrado, uma Torre Eiffel do consumismo sem limites e sem noção. (Enquanto escrevo, o caixotão VIP ainda está lá, tapando a vista de prédios históricos, enquanto a expedita burocracia russa decide de quem é a culpa e quem vai convidar os malas a se retirarem. Cadê Gogol numa hora dessas?)

No fim de semana em que os brasileiros foram bombardeados com ofertas de promoções fajutas da infame Black Friday nacional, que simula descontos e insulta a inteligência do consumidor, convém meditar sobre as lições que o novíssimo capitalismo russo está nos enviando: se o nosso modelo, como o deles, é o do consumismo pujante e sem culpa dos americanos, era bom caprichar um pouquinho mais no acabamento da nossa Louis Vuitton de camelô.


A propósito: se dependesse de mim, o troféu “mala do ano” não seria da Louis Vuitton, mas dos spams da Black Fraude brasileira.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Jaime Cimenti

Dietas sempre!

Desde o doutor Hipócrates na velha Grécia (460 a.C a 370 a.C) até o doutor Atkins (1930-2003), aquele da “dieta revolucionária”, passando pelo agente funerário William Banting (1796-1878), Lord Byron (1788-1824), Imperatriz Sissi (1837-1898), Lady Diana, Duquesa Kate e as torcidas do Barça, do Flamengo, do Esportivo de Bento Gonçalves e outros bilhões de viventes, esse negócio de comer, emagrecer e dietas é assunto milenar. Pelo visto vai continuar sendo.

Será que algum genial médico-cientista não pode descobrir alguma cura para a obesidade, ganhar o Nobel de Medicina e nos libertar desta eterna tirania das dietas? Esses dias estava caminhando com um amigo no Parcão e, de repente, ele teve que procurar um banheiro com urgência. Tinha tomado o remédio famoso aquele para emagrecer... Deu tempo, ali, ali.

Essa coluna é de utilidade pública. Tem umas poucas verdades sobre o assunto que precisamos enunciar: comida oriental é quase sempre mais saudável que a ocidental; os alimentos de nossas vovós, comida de verdade, arroz, feijão, carne, frutas, verduras, ovos etc são mais saudáveis; pão da padaria é melhor que o da fábrica; comer devagar e mastigar umas duzentas vezes, tipo vovô macróbrio e macrobiótico, funciona;

pegar e largar os talheres umas 50 vezes e ficar olhando um tempão os alimentos, tipo “jogando sério”, é bom; comer dentro do carro, assistindo TV, de pé, caminhando na rua, engorda mais; ingerir alimentos que tenham mais de cinco ou dez componentes, que venham em embalagens com muito sódio e outros bichos é perigoso; ingerir croquetes de botequim pode ser prejudicial à saúde e, por favor, me mande umas verdades, dietético leitor. Sim, sei, esse negócio de comer é muito discutível e as verdades acima não são bem assim, tudo bem.

Só estou querendo ajudar a mim e a você, leitor, porque o verão está pintando e aí os corpichos vão estar à mostra. Bom, se souber dessas novas dietas da moda que funcionam por algumas semanas, me avisa. Tudo ajuda e estou precisando perder uns quilinhos. Como dizia a outra, quando as coisas estão meio assim, melhor cortar o cabelo, mudar o penteado e perder uns gramas. Ah, quando for conversar sobre dietas, melhor falar com alguém do seu peso e tamanho.


Se a pessoa for muito mais magra, vai ficar estranho, e se for muito mais gorda que você, igualmente a conversa pode desandar. Carboidratos, proteínas, dieta da lua, do sol, jejum, dieta da ervilha-de-charneca, eta assunto interminável. Pensando bem, melhor do que falar de política, assunto  indigesto. Bom apetite!
Jaime Cimenti

A história de um livro não escrito

O escritor e psicanalista argentino Luis Gusmán, nascido em Buenos Aires em 1944, desde seu primeiro livro, El frasquito - publicado no Brasil pela Iluminuras em 1990 com o título O vidrinho -, consolidou-se como um dos grandes nomes de sua geração e há muito é conhecido dos leitores brasileiros. Recebeu vários prêmios, como o Boris Vian, e publicou, no Brasil, Villa (2001); Pele e Osso (2009); e, como organizador, Sonhos (2003), de Franz Kafka, e Os Outros - Narrativa argentina contemporânea (2010), todos pela Iluminuras.

O romance Hotel Éden, que acaba de ser publicado por aqui, é de 1999 e estava inédito em português. O prefácio e a tradução são de Wilson Alves-Bezerra, que escreveu: “Hotel Éden é a narrativa nunca contada por Ochoa, o livro que ele inclusive prometeu a si mesmo não escrever caso Mônica não enlouquecesse completamente. Mas as histórias, sabemos, precisam ser contadas e, não por acaso, aquela que por fim desvenda o mistério em questão não é outra senão Mônica.”

Aos 50 anos, Ochoa se depara com o desafio de escrever Hotel Éden, o livro sempre adiado e jamais realizado, e tem a oportunidade de poder lidar com as memórias de sua relação com Mônica, a cabeleireira de olhos verdes e lábios carnudos, sua amada, que ficou louca e o enlouqueceu. Sobre o mítico Hotel Éden de Córdoba pairam lendas políticas do período peronista, como a de ter sido refúgio de nazistas, mas também paira a história pessoal de Ochoa, sua foto com os pais, lembranças de uma época de vacas gordas. Principalmente pairam as lembranças de sua lua de mel com Mônica e sua fixação pela imagem da jovem alemã da propaganda do hotel.

Ochoa busca, com rememorações, algum sentido não apenas para as vicissitudes de seu amor, mas também do ambiente no qual este se desenvolveu: a Argentina de Perón, com as perseguições dos militares, o medo, a música e o cheiro daquela época. Entre a investigação e a memória a narrativa flui, revelando ruínas do vivido e do não vivido e a história secreta do hotel. Na impossibilidade da convivência, Ochoa e Mônica vão se destruindo e enlouquecendo, vítimas de suas idealizações e pulsões.


A literatura aparece para Ochoa como possibilidade de redenção. Ele precisa contar o que aconteceu, pois as histórias precisam ser contadas, especialmente quando isto é o que resta. Editora Iluminuras, 144 páginas, R$ 38,00, www.iluminuras.com.br.