terça-feira, 6 de março de 2012



06 de março de 2012 | N° 17000
PAULO SANT’ANA


No tempo de meu pai

Assisti domingo a uma impressionante entrevista com o ator Lima Duarte no Fantástico.

Impressionante. Ele é dono de um talento e uma simpatia estupendos.

Foi longa a entrevista e eu estava deitado na cama, assistindo a ela.

Senti em meio à entrevista a vontade de ir no banheiro e me segurei, continuei ouvindo o extraordinário relato da vida de Lima Duarte.

Tocou-me particularmente uma coisa que ele disse: quando referiu que tinha 14 ou 15 anos de idade e seu pai, muito pobre, chamou-o e disse que não podia mais sustentá-lo. Ele iria ter de lutar pela vida sozinho.

Eles moravam, ao que me parece, numa cidade interiorana de Minas Gerais. O pai colocou-o dentro de um caminhão e exportou-o para São Paulo.

E ele veio, como milhões de migrantes já vieram, fazer a vida em São Paulo.

O que me chamou a atenção foi que Lima Duarte em nenhum momento classificou como crueldade o fato de seu pai ter-se livrado dele e o exportado para São Paulo.

Pelo contrário, dedicou palavras de ternura a seu pai e entendeu como normal o seu gesto de ter-se livrado dele e mandado que ele fosse, completamente sozinho, tentar a vida na cidade grande.

Isso me impressionou porque aconteceu exatamente o mesmo comigo. Quando tinha a mesma idade, 14 ou 15 anos, meu pai me botou para fora de casa, me dando a entender que tinha muitos filhos, meus irmãos, que eu tinha de fazer por mim e tratar sozinho do meu sustento.

É muito triste isso. Sinto que sofro uma punhalada quando recordo esse fato.

Foi por isso, por ter sido mandado para fora de casa ainda garoto, que adorei uma canção do Benito di Paula, que até hoje tenho decorada e ainda canto: “Ah, eu chorei/ quando saí lá de casa/ enfrentei o mundo/ eu chorei/ ah, só eu sei, que pra chegar onde estou/ eu confesso lutei/ eu lutei!”.

Foi dura a vida para mim, como deve ter sido para o Lima Duarte, quando nossos pais nos enxotaram de casa.

Só tem uma diferença, a pior para mim, entre as duas histórias: eu nunca perdoei meu pai por ter-se desfeito de mim e não ter permitido que eu continuasse em casa, a enfrentar as dificuldades da vida junto dele, apegado à família. Nunca perdoei.

E Lima Duarte, ao contrário, entendeu seu pai e dedicou na entrevista palavras doces para seu amado pai.

Eu fico pensando que esta deve ser apenas uma das muitas injustiças que fiz à memória de meu pai.

Como em tudo na vida, cometemos injustiças quando não nos colocamos no lugar das pessoas que condenamos.

E, cotejando essas duas histórias, confesso que tenho ainda dúvida se eu não fui ou fui severo demais no julgamento de meu pai, ou se Lima Duarte usou de excesso de benevolência ao julgar seu pai no episódio.

E, terrivelmente, a esse respeito, sempre chega a hora para alguns pais pobres em que eles são obrigados a se desfazer e se afastar dos filhos, em nome da sobrevivência

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