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quarta-feira, 5 de outubro de 2011
05 de outubro de 2011 | N° 16847
JOSÉ PEDRO GOULART
Insônia
Não sou poeta. Poesia se escreve na madrugada, e nesse horário o que faço é o seguinte: tento dormir. E esse tentar me faz inativo. Mesmo a leitura, que sempre foi parceira, tem sido inútil – ela me desperta ainda mais, e eu preciso dormir. Queria era ser poeta, escreveria compêndios nesse tempo livre, mas não sou – só consigo escrever de dia, e olhe lá.
Sem sono, com instruções dos especialistas de não fazer muita coisa para ver se adormeço, restam-me poucas opções. Nessas horas o pensamento invariavelmente é inimigo. Reflexões noturnas são assombrosas, e até pequenos sonhos se confundem nessa vigília solitária, na luta contra a insônia. A solução? Gastar o tempo fazendo listas.
Três lembranças da infância: vinho com água; camisa engomada; carrinho com rolimã. Três experiências táteis: o primeiro toque na mão da primeira namorada; deslizar as mãos nos panos de uma loja de tecido; passar o dedo na borda do disco de vinil recém comprado.
Três mentiras repetidas: “Deus ajuda quem cedo madruga”; “Quem ama o feio, bonito lhe parece”; “Dinheiro não traz felicidade”. Três coisas que não existem: meia verdade; meio buraco; meia gravidez. Três palavras engraçadas terminadas em “ada”: abobalhada, destrambelhada, descabelada.
Um início de livro imbatível: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira” (Tolstói/Anna Kariênina). Três frases que irritam uma mulher: “Vocês são todas iguais”; “Só podia ser mulher”; “Os homens é que sofrem com a TPM de vocês”. Duas formas de dizer eu te amo: “Pode ficar na cama que eu tomo banho primeiro”; “Você fica linda de pijama, pantufa e gripada”.
Três saudades: cinema de rua; futebol sem propaganda; reunião dançante. Quatro cheiros: o da terra depois da chuva; pescoço de bebê (limpo); limão; fluido de isqueiro. Três sons: o apito do afiador de facas; café passando; o alarido da feira. Três barulhos enervantes: vento uivando; alguém chupando os dentes depois de comer; passarinhos às 5h da manhã (aliás, começaram).
“Breve candeia, apaga-te! Que a vida
É uma sombra ambulante; um pobre ator
Que gesticula em cena uma hora ou duas,
Depois não se ouve mais; um conto cheio
De bulha e fúria, dito por um louco,
Significando nada.”
Shakespeare/Macbeth, escrito certamente à luz de velas e traduzido por outro madrugador, Manuel Bandeira. Que os caras não eram bobos de gastar a noite fazendo listas.
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