quarta-feira, 2 de julho de 2008



02 de julho de 2008
N° 15650 - Sergio Faraco


O leitor

A convite do editor-chefe Ricardo Stefanelli, tive um encontro com os jornalistas de Zero Hora para falar sobre o ato de escrever.

Pensei que falaria num auditório, era na própria redação, diante de compacta falange de homens e mulheres, cada qual em sua mesa de trabalho.

E lá estava eu, ai de mim, a esgrimir com as mais dissímeis e atiladas indagações de quem não só sabe escrever, mas faz da escrita uma profissão. Para me inquietar ainda mais, havia uma garota à minha frente que anotava num bloco tudo o que eu dizia. Era a prova escrita de meus eventuais desconchavos!

Deu-se um ligeiro frisson quando, em atenção a uma pergunta, respondi que a opinião dos leitores sobre o que escrevo não me concerne. Suponho que uma ala da falange tenha duvidado.

Bem, que tais dúvidas, se nasceram, não cresçam: nego a concernência. Não quis ser grosseiro lá e tampouco quero sê-lo aqui. Sou franco. Pela minha criação interiorana, e também por outras coisas que não vêm ao caso, tenho o pouco recomendável costume de não mentir nem dissimular. Para o meu mal, claro.

A questão tem dois momentos.

Se um escritor, enquanto escreve, preocupa-se com o que pensará o leitor, está aceitando que um estranho ao processo criativo lhe governe o trabalho. Um alienígena! O escritor não escreve para agradar ou desagradar alguém, ou para adequar-se a expectativas. E enquanto o faz, presta contas a um único leitor, que é ele mesmo.

Publicado um livro, ou uma coluna de jornal - e aqui falo só em meu nome - , a mim não me afeta a impressão que causa. Não se trata de auto-suficiência que me leve a crer nas virtudes do que fiz, mas da absoluta certeza de que, ao fazer, empreguei todos os recursos de que disponho. Nos livros e nesta coluna sempre estou inteiro, tão cabal quanto consente o minguado território da minha capacidade.

E se mais não posso e vou continuar sendo eu mesmo, de que me adianta saber se a impressão causada é favorável ou desfavorável?

Não vejo nisso nenhum menosprezo pelos leitores, se é que mais de 17 os possuo. Desacreditar da funcionalidade de seus juízos não pressupõe que não saiba apreciá-los, e para elucidar essa aparente antinomia eu poderia recorrer, simbolicamente, aos conceitos do art. 96 de nosso Código Civil, que trata das benfeitorias. Aquilo que me faz bem nem sempre é necessário ou útil.

O voluptuário, pois não? No entanto, volúpia alguma vai me tornar um escritor melhor do que sou. Nem pior.

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