segunda-feira, 5 de novembro de 2007


ENTREVISTA/CHRIS ANDERSON

"Baixar música de graça não é igual a pirataria"

Para editor da "Wired", blockbusters perdem espaço para produtos de nichos variados

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL


Sabe aquele livro obscuro, ausente de todas as bibliotecas, que você finalmente encontrou em livrarias virtuais? Aquele disco esgotado em vinil e nunca lançado no formato de CD, que você achou em sites de download?

O filme raro que você não viu em nenhum festival, que nunca caberia na prateleira da sua locadora, mas que um fã da Suécia colocou na rede?

Todos são exemplos da influente teoria da cauda longa do inglês Chris Anderson, 46, editor-chefe da principal revista de tecnologia do mundo, a "Wired", e que faz hoje palestra para empresários em SP.

Em linhas gerais, a teoria diz que a abundância de oferta na internet faz com que os consumidores não tenham como única opção os produtos de massa, como o filme mais vendido, por exemplo. Com isso, as empresas estão deixando de faturar alto com poucos hits para vender mais em nichos variados.

Anderson falou com a Folha de seu celular, em um dos lugares que mais freqüenta, o saguão de um aeroporto -nas duas semanas antes de vir ao Brasil, ele passou por 15 cidades para ministrar palestras.

FOLHA - O sr. convidou Gilberto Gil para um show em Nova York [em 2004] em favor das licenças livres do Creative Commons. Quais suas relações com o ministro?

CHRIS ANDERSON - A "Wired" organizou aquele show e, como ele tem uma visão mais progressista do papel do copyright e do direito de propriedade intelectual na cultura, o convidamos, achamos que ele está no caminho certo.

FOLHA - O que o sr. achou da experiência da banda Radiohead de lançar um álbum on-line e deixar os fãs decidirem o preço?

ANDERSON - Acho que é um experimento interessante, que permitiu avaliar um novo modelo de distribuição. A grande vantagem de distribuir música on-line é que, com custo zero, você pode experimentar qualquer preço, até de graça.

FOLHA - Mas isso é lucrativo?

ANDERSON - O Radiohead faz cerca de 90% de seu lucro com os shows, eles não estão no negócio de venda de música. Se o disco alcançar mais pessoas e atrair mais gente para os shows, eles lucrarão.

FOLHA - O sr. já baixou um filme ou uma música ilegalmente?

ANDERSON - É possível que há uns cinco anos eu tenha baixado alguns MP3 para ver como a tecnologia funcionava. Hoje uso um serviço por assinatura que me dá acesso a todo tipo de música de graça, então não preciso baixar nada ilegalmente.

FOLHA - O que acha de programas e sites que permitem a troca e o download de obras com direito autoral reservado?
ANDERSON - Acho que é um crime sem vítima.

É a mesma sensação que tenho sobre a pirataria de softwares: os consumidores não iriam comprar os programas mesmo. Também acho que a noção de não pagar para ouvir música não é necessariamente igual à pirataria, a maioria dos artistas disponibiliza canções de graça, é uma estratégia de marketing voluntária.

FOLHA - Pequenos produtores criticam sua teoria da cauda longa, dizendo que o mercado não ficou mais fácil para eles.
ANDERSON - É verdade, e meu livro não nega isso.

A maior parte do dinheiro a ser ganho em mercados de cauda longa é por meio de vendas agregadas feitas pelos donos do mercado. Os produtores podem ter mais apelo, triplicar sua base de consumidores, mas três vezes zero é zero.

O negócio é que a maioria dos produtores nos mercados de cauda longa está criando por outras razões que não só o dinheiro. Ser um produtor da cauda longa é, tipicamente, não produzir por dinheiro.

FOLHA - Sua teoria diz que os hits não são mais tão populares quanto antes, mas Hollywood não continua com a maior parte do faturamento baseada em poucos sucessos?

ANDERSON - Há poucas indústrias que ainda se baseiam no sistema de blockbusters. A de videogames era assim até recentemente, quando os jogos on-line mudaram o modelo, a da música também, até o começo desta década.

A TV vem experimentando um declínio gradual na audiência do horário nobre no mundo todo à medida que as pessoas têm mais opções. Hollywood é uma das últimas indústrias de blockbusters, não houve mudanças radicais ainda, apesar de alguns nichos terem emergido.

No geral, o comando de Hollywood sobre os cinemas não mudou, o modelo de investimento em estrelas e efeitos especiais ainda é poderoso, e acho que será assim por um longo tempo.

FOLHA - O sr. diz que o mundo físico é o da escassez, e o da internet, da abundância. Há um limite para ela?
ANDERSON - A tecnologia está criando uma abundância infinita de espaço, há lugar para tudo.

Tecnicamente, qualquer coisa pode ter distribuição mundial, graças à internet. Mas a atenção das pessoas não é infinita, então aparecer na rede não garante audiência. A briga à frente não será por distribuição, mas pela atenção do consumidor, por uma reputação.

FOLHA - O sr. afirma que estamos entrando em uma economia em que o cliente tem controle. Mas ouvimos há décadas que "o cliente tem sempre razão".

ANDERSON - Isso era um lema bonito, mas não era verdade. Agora, está virando, porque os consumidores podem conversar entre si, e confiamos mais em nossos semelhantes do que em corporações e outras instituições.

Temos tanta possibilidade de sermos ouvidos quanto as grandes empresas, há uma virada no jogo de forças na direção do consumidor.

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