terça-feira, 19 de novembro de 2024



19 de Novembro de 2024
NÍLSON SOUZA

Tios sem zap

Um me levou pela primeira vez num estádio de futebol, outro me ensinou a descascar laranjas, outra fazia o pudim de que eu mais gostava e tinha ainda aquela que me incentivava a continuar estudando sempre que me encontrava. Tive 14 tios por parte de mãe e cinco por parte de pai, sem contar aqueles que partiram antes da minha chegada numa época de elevada mortalidade infantil. Com exceção desses, todos foram longevos: minha mãe chegou aos 99 anos, uma de suas irmãs passou dos cem e a maioria virou a esquina dos 90 anos, lúcidos e ativos até o final, sempre cuidados com carinho por seus inúmeros filhos, netos e bisnetos.

Acho que cuidado é a palavra-chave desta nossa relação familiar. Tive uma infância abençoada, na companhia de tios e tias protetores, brincalhões e, ao mesmo tempo, desafiadores. Todos eles me deixaram boas lembranças afetivas.

- Dobra o dedão para trás que eu quero ver se tu és Fialho! - me dizia um que conseguia inclinar o polegar na direção oposta à mão até quase encostar no antebraço.

Nunca fui muito chegado a manobras corporais extravagantes, tipo movimentar as orelhas, revirar os olhos ou fazer o beiço descer até o queixo, mas cedo constatei que meu polegar esquerdo, sem muito esforço, dobra o suficiente para justificar essa marca simbólica de pertencimento familiar.

Gosto de mergulhar no pretérito da família para investigar nossas origens. Já sei, por exemplo, que meus antepassados maternos vieram dos Açores e até ajudaram a erguer esta cidade dos meus amores. Outro dia, numa dessas pesquisas, descobri que uma empreiteira do século 19 comandada por tios trisavós, a Baptista & Fialho, foi responsável pelas construções da Ponte de Pedra, do Theatro São Pedro, do finado Edifício Malakoff e de outros monumentos arquitetônicos da Capital.

E teve um dos sócios que se desgarrou e foi para o Interior fundar Lajeado. Antônio Fialho de Vargas batalhou muito por lá, organizou colônias de imigrantes, comprou e vendeu terras, e deixou seu nome em ruas e prédios públicos.

Conclusão vaidosa deste relato sobre um tempo de tios sem zap: esse pessoal que entorta o polegar também pega firme no trabalho. _

NÍLSON SOUZA

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