31 DE MAIO DE 2022
NÍLSON SOUZA
Frases soltas
Na condição de observador invisível do cotidiano, selecionei quatro recortes da realidade para provocar a imaginação das leitoras e dos leitores, que certamente já testemunharam - e ouviram - coisas semelhantes.
Casal de idosos passeando no shopping. Passos lentos, parecem já ter olhado todas as vitrines e piscado para todas as crianças que passam com o olhar fixo no balcão dos sorvetes. A impressão do cronista retido na fila da lotérica é a de que eles não sabem mais o que fazer para ocupar o tempo que lhes resta no dia e na vida. Bem na passagem pela fila, o homem tem uma ideia aparentemente excitante e sugere à companheira, na linguagem informal das intimidades prolongadas:
- Vamo se pesá?
Operários cortando a calçada para instalar um piso tátil para deficientes visuais. Conversam em voz alta para superar o ruído da máquina utilizada no corte do basalto. Os caminhantes da manhã não podem deixar de ouvir trechos do diálogo gritado. Na passagem do cronista, uma frase intrigante fica ecoando no ar frio do outono porto-alegrense:
- Ele tem três mulheres e mora lá atrás daquele condomínio dos ricos.
Manhã de sábado, feira livre, pequena concentração de fregueses em frente à banca das bananas. Um homem e uma mulher conversam animadamente sem perceber que outras pessoas se posicionam atrás deles pensando que fazem parte da fila, incluído aí este distraído cronista. O mal-entendido se desfaz quando o homem interrompe a conversa para saudar um conhecido que passa nas proximidades e apresentá-lo à companheira de diálogo e às involuntárias testemunhas:
- Oi, professor! Este é o anjo da guarda dos animais!
Velhos amigos e suas respectivas acompanhantes encontram-se no final da tarde para o café. Três casais e dois ou três avulsos, todos com muitos quilômetros rodados e um longo passado em comum. Conversam sobre fatos e pessoas que ficaram pelo caminho. Lá pelas tantas, alguém diz que encontrou um antigo integrante da turma e surpreendeu-se com a sua aparência jovial. Por um momento, o grupo fica em silêncio, mas logo uma das participantes retoma o debate com uma frase consoladora:
- Hoje em dia, qualquer guri tem 68 anos.
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