sábado, 28 de março de 2009



29 de março de 2009
N° 15922 - MARTHA MEDEIROS


Identidade contra a crise

Tem-se falado que uma das consequências da crise econômica mundial é uma certa caída de ficha entre as pessoas que têm prazer em ostentar. A tendência, dizem, é não esfregar sua riqueza na cara dos outros. Já não era sem tempo: sempre achei ostentação uma cafonice.

Eu pagaria uma fortuna para não andar de limusine, não viver numa casa com 15 quartos e não usar boa parte dos vestidos que desfilaram no tapete vermelho do Oscar. E se alguém me pedisse pra citar um exemplo de mulher jeca, é bem provável que alguma milionária me viesse à cabeça. Um disco voador me largou nesse planeta e esqueceu de me buscar.

Há que se ter uma certa cautela com essa história de crise. Sei que ela existe, mas também sei que o excesso de precaução pode alavancá-la: é tanta gente com medo do que está por vir que a retração começa antes da hora, e aí corta-se, demite-se, enxuga-se. Se a crise acachapante não vier, a desconfiança terá instalado outra crise no lugar.

Mas já que não se fala em outro assunto, vale refletir sobre o que esse momento pode ter de positivo, e a diminuição da ostentação é apenas a ponta do iceberg. Com ou sem crise, já estava mesmo na hora de uma reciclagem de atitudes e de pensamento.

Restabelecer prioridades. Sai a conta estratosférica de certos restaurantes, que costumam cobrar até 150% a mais no preço de uma garrafa de vinho, e trocar por encontros entre amigos, em casa, cada um trazendo do super a sua colaboração.

Em vez de só darmos atenção para a roupa nova que a nossa amiga está vestindo, reparar melhor no seu semblante e procurar descobrir a razão do seu olhar triste. Deixar o carro mais tempo na garagem e andar a pé ou de bicicleta, que aliás era o meio de transporte preferido de John John Kennedy, que nunca precisou economizar.

Festa de 15 anos para 600 convidados com show ao vivo e três trocas de vestido? Usar brinco, colar, gargantilha, pulseira, anel, tornozeleira, tudo ao mesmo tempo, e ainda carregar uma bolsa de 2 mil dólares com a grife saltando aos olhos? Torneiras de ouro no lavabo (em apartamentos em que a mensalidade do condomínio geralmente está atrasada?) Isso é saber viver?

Cada um escolhe o que fazer com o seu dinheiro, combinado.

Mas já que virou moda não ostentar (deveria ser regra), então que se aproveite a tendência da estação para consumir atitudes novas: ser elegante sem torrar uma nota preta, economizar água e ajudar a conter a poluição, não abrir mão de ter amigos verdadeiros, deixar de valorizar relações descartáveis, alimentar a alma e o espírito com muita arte e cultura, buscar um lazer revigorante junto à natureza, cuidar do corpo de forma saudável e não apenas cirúrgica, sorrir em vez de reclamar tanto, falar menos de dinheiro, fazer o que se gosta sem se preocupar com a repercussão, dar valor ao que tem valor, e não apenas ao que tem preço.

Não vá por mim, que eu nem sou daqui. Mas vá por você.

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