quarta-feira, 25 de março de 2009



25 de março de 2009
N° 15918 - DAVID COIMBRA


O ataque dos hunos

Os hunos não desmontavam do cavalo para nada. Nem para amar suas mulheres ferozes, nem para dormir, nem para fazer suas necessidades fisiológicas, nem para comer.

Os hunos só se alimentavam de raízes do mato e carne crua, que levavam aos pedaços sob a sela da montaria. O suor do cavalo servia para salgar a carne e conservá-la durante semanas. Quando sentiam fome, os hunos arrancavam um naco da carne e o devoravam feito bichos.

Os hunos, quando os filhos ainda eram pequenos, cortavam-lhe os rostos a faca para que crescessem imberbes e para que, adultos, inspirassem medo nos inimigos. E os hunos inspiravam medo, eles com seus corpos retacos, o torso maior do que as pernas arqueadas, a cabeçorra descomunal, as túnicas brutas que jamais despiam, a ponto de se lhe apodrecerem sobre os ombros.

Átila, o rei dos hunos, conquistador de metade do mundo, era um homem pequeno, não mais de metro e 60 de altura. Mas ai de quem o desafiasse. Tornaram-se horrendamente célebres as vinganças de Átila contra quem não se submetia a ele. Com sua liderança de ferro, Átila unificou as tribos selvagens dos hunos a se impôs sobre a Ásia e a Europa. Só que nem Átila podia derrotar a natureza de seus próprios guerreiros.

Uma vez, ele, Átila, marchou à frente de seu exército para tomar a cidade de Metz, na Gália, onde hoje se situam a França e a Alemanha. Metz era conhecida pela solidez de suas muralhas. De fato, os hunos passaram dias tentando desarticulá-las.

Átila enviava sapadores com capacetes de aço em forma de guarda-chuva, que os protegiam contra o óleo fervente que os defensores derramavam das ameias; enviava arrancadores que empunhavam ganchos com os quais tentavam arrancar pedras das muralhas; bombardeava a cidade com catapultas; fustigava os muros com aríetes. Tudo sem resultado.

Átila ameaçou manter a cidade sitiada até que seus habitantes morressem de fome, e a resposta foi um debochado saco de farinha atirado por cima das muralhas, aos pés dos soldados assaltantes. Frustrado e furioso, o rei dos hunos decidiu retirar-se. Mandou reunir seus soldados e já ia partindo quando um estrondo se fez ouvir: uma parte das muralhas havia desabado, enfim.

A força de um exército reside na disciplina. Átila sabia disso. Tentou conter seus homens. Não conseguiu. O que se seguiu foi o pior dos pesadelos das guerras.

Um belo livro lançado há pouco pela L&PM sobre Átila descreve a cena da tomada de Metz. O texto é do francês Éric Deschodt:

“Uma torrente de enfurecidos deságua sobre Metz, ignorando seu imperador, que desejava retê-los. Átila não comanda mais nada. Tudo que respira é massacrado, os homens, as mulheres, as crianças, os cães, os gatos, os ratos, os camundongos. Ninguém é violado, nada é roubado. Não há tempo de violar, não há tempo de roubar. A beleza das mais belas das moças não lhes vale nenhum tempo a mais. Mata-se, quebra-se.

Tudo é destruído, não haverá butim. Os víveres acumulados serão atirados pelas ruas. Só o vinho de um reservatório descoberto durante a azáfama terá graça aos olhos dos vencedores. Será bebido freneticamente. A bebedeira redobrará a carnificina. Encarniçam-se todos sobre os cadáveres. Quando Átila entra em Metz, nada se mexe, tudo está morto.”

O instinto dos hunos era destruir. Quando açulado, o instinto torna-se indomável. Segunda-feira, no Painel RBS, Dunga falou sobre isso. Sobre o instinto. Reconheceu que o dos jogadores brasileiros é atacar. É o que são os jogadores brasileiros: hordas.

Uma surpresa, esse reconhecimento. Afinal, Dunga foi um jogador de parco talento, típico volante de contenção. Em campo, era de poucas luzes, mas pregava e exigia a marcação, o empenho, a luta sem trégua. Agora, transformado em técnico, admite que não se pode refrear o instinto alegre do jogador brasileiro e diz que tenta empregá-lo na Seleção.

Demonstração de maturidade do Dunga. Ele, sempre tão ressentido com a crítica, sempre tão preso ao passado, sempre tão vítima da mágoa, ele prova, assim, que evoluiu. É uma boa notícia. É uma esperança.

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