sábado, 28 de março de 2009


Fernanda Colavitti

"Os homens transam pouco"

O psicanalista Contardo Calligaris estreia como dramaturgo com a peça O Homem da Tarja Preta, sobre a sexualidade masculina. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele diz que os homens têm preguiça de fazer sexo

Gotardo: Tem que transar no elevador, na cozinha, em lugares divertidos ÉPOCA - O senhor disse que já atendeu homens dos três continentes. O homem brasileiro tem alguma especificidade?
Contardo Calligaris - A grande diferença é o Atlântico. Há muita similaridade em geral entre pacientes americanos do norte e do sul e uma diferença mais marcante entre os europeus e os americanos.

Os europeus têm uma relação muito mais explícita e aguda com suas fantasias sexuais, enquanto o "homo americanus" tanto do norte, quanto do sul, muito frequentemente reprime suas fantasias de tal forma que pode ser um longo trabalho para eles chegar a descobri-las e admiti-las para si mesmos.

ÉPOCA - E a internet foi uma maneira encontrada para extravasar essas fantasias reprimidas?
Calligaris - Sim, e é ótimo poder brincar na internet, como faz o personagem da peça, que é alguém que está totalmente em contato com suas fantasias sexuais. Ele sabe quais são.

Pode ser que ele tenha outras e que nem todas sejam tão claras, mas aquelas que são cruciais na vida dele naquele momento, ele as pratica, o que não é o caso de todos os homens.

ÉPOCA - A internet mudou a maneira com que as pessoas lidam com a própria sexualidade?
Calligaris - Sem dúvida, de várias maneiras.

A primeira é a grande liberdade. Mas, antes disso, muitas pessoas que achavam que suas fantasias eram aberrações patológicas e que só elas no mundo tinham uma fantasia, sei lá, de transar no fundo de uma piscina, com a internet, puderam descobrir que não, que tem muitas pessoas que pensam da mesma forma, e por isso se sentem mais autorizados a viver sua sexualidade. Isso, sobretudo para pessoas que vivem em cidades pequenas, ou em meio rural, foi uma libertação fantástica, pois é um extremo alívio descobrir que você não é um louco que tem uma tara absolutamente única e maluca.

ÉPOCA - O homem do século 21 já não é mais o provedor e, em muitos casos, também não é o caçador, no sentido de conquistador. Qual é o papel do homem moderno?
Calligaris - É exatamente isso que ele está se perguntando e eu não sei responder. Aliás, a peça é feita para dizer que não sei a resposta e acho que ninguém tem como responder. O que é verdade é que, por um lado, esses papéis convencionais que pareciam satisfazer as expectativas que pesavam sobre o homem não satisfazem mais.

E por outro lado, a questão está constante e angustiantemente aberta sobre como corresponder às expectativas, sobretudo às da mãe. Aliás, você já se deu conta que na língua, não só na portuguesa, mas na inglesa e em várias outras, ninguém diz "seja mulher", só se diz "seja homem". Isso pode ser dito até para uma mulher.

ÉPOCA - O senhor quer dizer que o peso de ser homem é maior?
Calligaris - A expectativa é muito grande. Agora, o que isso quer dizer é outra história

ÉPOCA - E a expectativa em relação ao desempenho sexual masculino também está mais alta...
Calligaris- Isso também faz parte, até porque a mulher tem o privilégio de poder fingir com mais facilidade.

ÉPOCA - E as mulheres estão cobrando mais...
Calligaris- É verdade, e com uma certa razão, pois os homens estão cada vez mais preguiçosos sexualmente. Os homens têm preguiça de transar, você não acha? Não digo todos, mas existe uma certa preguiça na prática do desejo, inclusive na prática das próprias fantasias.

Apesar do que podem falar em circunstâncias tradicionais, na padaria da esquina depois da terceira pinga, os homens transam pouco. Hoje vejo muito mais mulheres se queixando de que os homens delas, maridos e namorados, não transam, ou transam muito pouco, ficam satisfeitos transando uma vez por semana e elas não.

ÉPOCA - Hoje são os homens que tem “dor de cabeça”...
Calligaris - É verdade. Nos anos 1960, 70, a queixa era sobre a mulher que não queria transar. Hoje isso se inverteu.

ÉPOCA - Mas o que aconteceu?
Calligaris - Uma das razões de ser da peça é essa questão. O desejo sexual para o homem não é uma coisa natural, somos o único bicho para o qual o desejo sexual não é natural. Para a maioria dos mamíferos, quando a fêmea está fértil, ela emite um cheiro que o macho reconhece e pronto. Para o homem não há nenhum estímulo natural, o desejo se separou da função da reprodução.

O que alimenta o desejo masculino ou feminino são ideias, palavras, fantasias. O desejo não é natural, é preciso cultivá-lo. Se um homem se afasta das suas fantasias, se ele não as pratica, vai perder seu desejo sexual. Aquela coisa de que "a gente vai para cama e uma vez juntos ali a coisa vai funcionar".. Não, não vai.

ÉPOCA - Esse desinteresse masculino não pode, de alguma maneira, estar ligado à facilidade com que os homens obtêm sexo atualmente?
Calligaris- Essa facilidade é real, mas normalmente é um sexo muito chato, é um sexo sem fantasia.

ÉPOCA - A variedade é entediante, a repetição, o sexo com uma parceira fixa também.
Calligaris- Não acredito muito nisso. Minha experiência, e a de qualquer psicoterapeuta, é a de que os seres humanos adoram repetir, são mestres na repetição, inclusive na dos piores erros que podem cometer na vida. Por isso não acredito que a repetição seja uma razão suficiente para deixar de desejar.

O que acontece é que paramos de desejar e acabamos culpando a mulher. O problema é não fantasiar mais, chegar na cama às 23h30, apagar as luzes e achar que naquele momento deveria estar afim de transar. Ninguém vai estar afim de transar naquele momento. Tem que transar no elevador, na cozinha, em lugares mais divertidos.

Nenhum comentário: