terça-feira, 24 de março de 2009



A BOA MORTE

Como é bom morrer no Brasil. Talvez seja a melhor coisa que tenhamos a oferecer às nossas celebridades. Uma boa morte. Uma morte com direito a bajulação.

Basta morrer, algo que, convenhamos, não exige qualquer mérito ou competência específica, para a glória ser alcançada. O sujeito passa a vida lutando para ser amado, admirado, adulado e elogiado, numa obsessão terrível, sem êxito.

Todos o esculacham. Mal entrega a alma e já começam os elogios ditirâmbicos. Todos os sinais se invertem. O chato vira simpático. O casmurro vira bonachão. O grosso vira temperamental. O reacionário vira incompreendido. Clodovil morreu. Era um 'mala' e tudo o mais que se possa imaginar e dizer de uma pessoa viva. Já não é mais.

O escritor Ruy Castro, conhecido por vender elogios sob a forma de biografias encomendadas por editoras que mais parecem funerárias, lembrou-se com saudades de uma entrevista que fez com o costureiro, em 1980, em meio a qual o entrevistado disparou grosserias pelo telefone contra clientes insatisfeitas.

Ah, como era deliciosamente estúpido esse maroto! Que saudades dos seus maravilhosos coices! A eleição de Clodovil para a Câmara dos Deputados foi saudada na época como um desses absurdos típicos de um país submetido a uma televisão de mau gosto e péssima influência. Agora, com a morte do deputado, até isso mudou.

Carlos Heitor Cony já se penitenciou e, fustigando as próprias costas com um látego, teceu odes a um projeto do parlamentar, reduzir pela metade o número de deputados: 'Eu também ignorava este projeto do polêmico parlamentar e acredito que muita gente também não sabia que, além de criar alguns casos próprios de seu temperamento, ele tivera uma belíssima ideia, que um dia, acredito, será retomada'. Uau! Uau!

Aí está: Clodovil, depois de morto, começa a ser descoberto. Era honesto, franco e com boas intenções. Parece que não pagava o IPTU da sua mansão havia décadas, mas isso também poderá contar para dar brilho ao seu currículo.

Não é de duvidar que venha a ser condecorado com alguma medalha póstuma como deputado exemplar. A morte tem um extraordinário poder de transformação. Depois da morte, vejam só, nada mais é como antes. Há uma metamorfose completa.

A imagem do indivíduo se altera dos pés à cabeça. Cony, na sua precoce recuperação póstuma do herói, acusou a mídia de ter produzido dele uma imagem falsa: 'Clodovil pertencia à banda demonizada pelas cultas gentes. Se descobrisse a cura do câncer, o elixir da juventude, o Santo Graal, a quadratura do círculo, os ossos de Dana de Teffé, ninguém saberia'. O midiático Clodovil seria um injustiçado, um bode expiatório.

O mais recente ídolo brasileiro disparou algumas pérolas ao longo da sua incompreendida existência. Em 2004, chamou a vereadora Claudete Alves de 'macaca de tailleur metida a besta'.

À Rádio Tupi, em 2006, afirmou que os judeus manipularam o Holocausto e forjaram os atentados de 11 de setembro de 2001. De quebra, designou um negro como 'crioulo cheio de complexo'. Na sua última polêmica de alto nível, em tom sociológico, garantiu que as mulheres atualmente 'trabalham deitadas e descansam em pé'.

Ainda foi capaz de acrescentar algo, diante de um pedido de explicação feito pela agredida, a deputada petista Cida Diogo: 'Digamos que uma moça bonita se ofendesse porque ela pode se prostituir. Não é o seu caso. A senhora é uma mulher feia'. Quanta irreverência!

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima terça-feira - Aproveite o dia.

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