sábado, 21 de março de 2009



22 de março de 2009
N° 15915 - MOACYR SCLIAR


Casamento e felicidade

Falar mal do casamento é um esporte antigo. Só não começou com Adão e Eva porque o primeiro homem e a primeira mulher não casaram (não havia o Plaza, naquela época, nem uma orquestra para tocar New York, New York depois da cerimônia) e também porque não tinham a quem se queixar; mas podemos ter certeza de que ambos ruminavam queixas recíprocas.

Ao longo dos séculos sucedem-se depreciativos pronunciamentos de figuras notáveis sobre o tema.

Ovídio, poeta latino do primeiro século a.C.: “O principal dote que os consortes trazem para o casamento é a vontade de brigar.” Elizabeth I da Inglaterra, a “rainha virgem”: “Preferiria ser uma mendiga solteira do que uma rainha casada”. Benjamin Franklin, intelectual americano: “Abra bem os olhos antes de casar. Mantenha-os fechados depois”. Lord Byron, poeta inglês: “O casamento é como o vinho: com o tempo se transforma em vinagre”.

Alexander Pope, também poeta inglês: “No namoro, sonha-se. Na cama de casal, acorda-se”. Thornton Wilder, dramaturgo americano: “A melhor parte do casamento são as brigas. O resto é mais ou menos”. E olhem só como o poeta John Dryden imaginou o epitáfio de sua mulher: “Aqui jaz minha esposa. Agora ela descansa em paz. Eu também”.

Apesar disso, homens e mulheres continuaram casando. E não só uma vez: duas, três, quatro vezes. Separações nunca impediram novos casamentos, o que é, segundo o escritor inglês Samuel Johnson, uma vitória da esperança sobre a experiência. Talvez.

Mas é uma vitória consolidada pelo tempo e aceita, ainda que de forma relutante, até pelos críticos do casamento. Sócrates, casado com a feroz Xantipa, resumiu esse posicionamento num resignado conselho: “Casa. Se tua mulher for uma boa esposa, serás feliz. Se for má esposa, serás um filósofo”.

Essa frase, aliás, pode ser um ponto de partida para que a gente entenda como surgiu a má imagem do casamento. Deste, diz-nos Sócrates, nasce um homem feliz ou um filósofo. O filósofo escreverá livros, dará conferências – será ouvido, inclusive, e principalmente quando falar mal do casamento. O homem feliz, não: ele desfrutará em silêncio da felicidade matrimonial. A mesma coisa acontece com as notícias nos jornais: tragédias e catástrofes ganham manchetes, o cotidiano feliz das pessoas, não.

Dentre os testemunhos silenciosos há um que é particularmente comovedor: em casais que estão juntos há muito tempo, o homem e a mulher acabam por se tornar parecidos. O que não é difícil de entender: são pessoas que riem ao mesmo tempo, que choram ao mesmo tempo, que ficam pensativas ao mesmo tempo, que ficam de cara amarrada ao mesmo tempo.

Em ambos, os músculos da face funcionam de maneira sincrônica e isso, ao longo de décadas, faz com com que os rostos fiquem semelhantes. Pessoas que lidam com casais em conflito são treinadas para prestar atenção, durante os encontros, nas expressões faciais: quando são muito diferentes, no homem e na mulher, evidenciam um conflito que pode conduzir à separação.

No dia em que escrevi esse texto, passou por mim, na rua, um carro já antigo (mas muito bem conservado), um Chevrolet Kadett, em cujo vidro traseiro lia-se, em letras góticas: “Eu amo minha esposa”. Convenhamos, não são muitos os automóveis que fazem este anúncio (Os “Bebê a bordo” são mais numerosos). Mas, de qualquer jeito, a mensagem reconforta. Se existe alguém amando alguém, o mundo não está perdido. E se existe um marido amando a esposa, o casamento não está perdido.

Dos leitores: Paulo Beccon retifica uma informação errada que dei sobre Jade Goody: não é o atual marido, Jack Tweed, 21 anos, o pai dos filhos dela, mas sim Jeff Brazier. A delegada Claudia Crusius, de Passo Fundo, manda um nome que condiciona destino: um pintor chamado Toner (se ele vendesse impressoras, seria melhor ainda, delegada).

A Lilian Pinto envia um belo texto. Trata-se de uma mulher que, para evitar o constrangimento de se identificar como “dona-de-casa” ou “mãe”, passa a identificar-se como “doutora em desenvolvimento infantil e em relacionamento humano.” Doutorado difícil, este, Lilian. A Moina F. Rech, de Santa Cruz, faz um gentil e oportuno protesto.

Numa crônica sobre Londres, falei mal do “porridge”, aquele mingau que faz parte do “breakfast britânico”. Diz a Moina: “O ‘porridge’ merece, pelo menos, ser defendido por alguém que o conhece e aprecia desde os primeiros anos de sua vida. Desconfio que aquele ‘porridge’ servido na universidade não foi feito com muito cuidado, ou o cozinheiro, inadvertidamente, o deixou queimar.

Talvez por influência de minha avó escocesa e de meu pai irlandês, na minha casa santa-cruzense sempre começávamos o nosso breakfast com um pratão de porridge, os flocos cozidos somente com água e um pouco de sal. É claro que, depois de pronto, era desmanchado com leite gelado e salpicado generosamente corn flakes. Ficava uma delícia.

Uma refeição completa que não deixava ninguém sentir fome antes do meio-dia. Nós criamos nossos filhos na base do ‘porridge for breakfast’, e os nosso netos seguiram a tradição.” E agradeço as mensagens de Leandro Pereira, Themis Lopes, Jayme Filho, Fernando Luiz Brauner, Emilia Ferraz, José Diogo Cyrillo da Silva, Renato Lampert.

Nenhum comentário: