terça-feira, 17 de março de 2009



CANALHA INTELECTUAL

Que tempos! Que tempos nada gloriosos. Há alguns anos, o mundo havia ficado, conforme a metáfora de um livro de autoajuda globalizada, 'plano'. Nessa época, a direita deitava e rolava na mídia internacional. Só ela tinha direito a adjetivos. Podia esculhambar todo mundo sem medo de ser ridicularizada.

Veja, nossa revista mais conhecida de consultório de dentista, passou a se dar ao luxo de pontificar sobre tudo. Como a mídia acredita em credenciais (filósofo, cientista político, economista) capazes de validar argumentos fracos, apareceram muitos filósofos, cientistas políticos e economistas dispostos a desempenhar o papel de avalistas do dogmatismo reacionário em troca de 15 minutos de fama. Acabou-se.

Nesse tempo de glória da direita neoliberal, quando um negro norte-americano e um quase analfabeto brasileiro só podiam se encontrar em botecos da esquina para pedir um 'chopes e dois pastel', os grandes bancos só mediam o risco de países como o Brasil e a Argentina. Calote era coisa de tupiniquim, de pobre e de república bananeira. Contratos não podiam ser rompidos por mais abusivos que fossem. Que tempos estes de agora!

O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, botou a boca no mundo temendo um calote: 'Nós emprestamos uma enorme quantia de dinheiro aos Estados Unidos e, naturalmente, estamos preocupados com a segurança de nossos ativos'. Uau! O risco Estados Unidos tornou-se a maior preocupação do mundo globalizado. Em torno 2 trilhões de dólares de reservas da China estão aplicados em ativos norte-americanos. O mundo voltou a ser redondo, oval, esférico, vertiginoso.

E se os Estados Unidos derem o maior calote do mundo? E se pedirem concordata? E se quiserem renegociar contratos? Será que o FMI pode ajudar os Estados Unidos?

Será que os americanos aceitariam as condições do FMI, aquelas mesmas que quebraram a Argentina, para receber dinheiro? Que tempos! Os Estados Unidos, pátria do capitalismo orgulhoso, são sustentados pela China comunista. Claro que é uma China comunista de mentirinha no plano econômico, mas muito verdadeira no plano político e dos direitos humanos. Uma ditadura.

Que importa? Os Estados Unidos sempre foram pragmáticos e nunca sentiram nojo de ter boas relações com ditaduras como a brasileira ou a chilena, sem contar as do Golfo Pérsico ainda hoje. Afinal, dinheiro não tem cheiro. Só tem um detalhe: os chineses não vão aceitar um calote.

Outro dia, um leitor me enviou um e-mail dizendo que eu me tornei um 'canalha intelectual', a exemplo de um antigo desafeto meu, certamente por constatar o fracasso de uma ideologia que se apresentou como definitiva e ceifou com sua arrogância toda contraposição.

Eu continuo o mesmo. Nunca fui neoliberal. Nunca fui marxista. Nunca me iludi com Cuba ou com a URSS. Nunca acreditei nas virtudes totais do capitalismo sem regulamentação ou sem algum grau de intervenção estatal. Muitas vezes, tenho consciência disso, fui mal-interpretado.

Quando ataco as ilusões da direita, sou chamado de esquerdista. Quando ironizo as utopias da esquerda, sou rotulado de direitista. Às vezes, por um mesmo texto, uma única frase, sou chamado, ao mesmo tempo, de esquerdista e de direitista. É delicioso.

Eu sou um escritor maldito. E, agora, um intelectual canalha. Finalmente sou reconhecido pelo que tenho de melhor. Nada como a perseverança.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima terça-feira - Aproveite o dia.

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