quinta-feira, 19 de março de 2009



19 de março de 2009
N° 15912 - LUIS FERNANDO VERISSIMO


Resgatando Adam Smith

Quando a nobreza parisiense perdeu a cabeça, literalmente, na Revolução Francesa, as cabeleireiras da cidade ficaram sem emprego.

Sua profissão, que incluía a montagem e manutenção de perucas, também fora guilhotinada. E foi a este contingente de desempregadas pela falta de cabeças que o barão Gaspard Riche de Prony recorreu quando inventou uma espécie de linha de montagem matemática para recalcular tabelas numéricas, já que a nova república adotara o sistema decimal.

De Prony se inspirou em Adam Smith, que no seu A Riqueza das Nações descreve a divisão de trabalho numa fábrica de alfinetes. As moças recrutadas pelo barão só precisavam saber somar e subtrair, a inteligência estava na organização do seu trabalho, que lhes permitia fabricar logaritmos como alfinetes.

Quando o matemático inglês Charles Babbage visitou a “fábrica” de Prony em Paris, se deu conta que as cabeleireiras podiam ser substituídas pelos dentes de uma engrenagem, e uma máquina podia fazer o mesmo trabalho.

E inventou o que chamou de “Difference Engine”, o primeiro calculador mecânico bem-sucedido (máquinas de calcular rudimentares tinham sido boladas, por Pascal e Leibniz, entre outros, desde o século 17). Assim, nas origens do computador moderno – está o Terror.

Pode-se especular o que se originará da Crise que nos assola. Também teremos multidões de desempregados, mas com poucas chances de serem aproveitados em alguma nova tecnologia, como as cabeleireiras da França. Não haverá investimentos em novas tecnologias.

É pouco provável que a Crise produza algum tipo de bonapartismo salvador como a revolução, mas é possível que o clima político que virá lembre o da restauração pós-Bonaparte, a nossa frustração com o fracasso do socialismo e agora com esse vexame do capitalismo imitando o desencanto com a promessa libertária esgotada da revolução. Naquela época, o espírito da Restauração também determinou uma mudança no pensamento econômico.

Adam Smith, cuja obra antes de A Riqueza das Nações podia ser confundida com pregação reformista (ele era invocado até por Tom Paine, um dos teóricos da Revolução Americana) e incluía uma Teoria do Sentimento Moral passou a ser visto como profeta da economia como uma ciência moralmente neutra e um herói da reação, como é até hoje. Ou era até ontem.

Talvez um dos efeitos da Crise seja o resgate do Adam Smith da primeira fase. Nos discursos feitos hoje contra os desmandos do capital financeiro que deram na Crise, não se ouve outra coisa a não ser repetidos apelos pela volta do sentimento moral.

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