sábado, 28 de março de 2009



28 de março de 2009
N° 15921 - NILSON SOUZA


O rio da minha aldeia

Sou um privilegiado desta cidade aniversariante. Não nasci em berço dourado, nem ganhei na Mega Sena ou fui contemplado com uma diretoria do Senado. Nada disso. Meu privilégio é outro e nem chega a ser exclusivo.

Compartilho-o todos os dias com outras pessoas anônimas, com estudantes no rumo da escola, com bêbados e damas da noite surpreendidos pela claridade da manhã, com operários da construção que madrugam em suas bicicletas para chegar cedo na obra e também com os demais caminhantes das primeiras horas do dia.

Caminho ao lado do rio da minha aldeia. Dizem os especialistas que não é rio, que é lago, mas isso pouco importa.

Para mim, continua sendo rio, aprendi a chamá-lo assim no tempo em que morava longe dele e só o encontrava nos verões. As suas praias, acreditem, já foram o sonho de consumo dos porto-alegrenses, especialmente daqueles que nasceram e cresceram na zona norte da Capital.

Agora, vejo-o como um vizinho querido. Habituei-me a contemplá-lo nas manhãs de todas as estações. Conheço suas belezas e seus humores. Já o vi despertar alucinado, lançando-se furiosamente contra as pedras da margem e contra as taquareiras, querendo atravessar a estreita faixa de areia que o separa do asfalto.

Já o observei acordando sonolento sob o manto das neblinas outonais. Mas invariavelmente encontro-o calmo, no ondular resignado do seu destino de saciar a sede das populações que se aquerenciaram às suas margens.

Não raro amanhece imóvel, transformando-se num gigantesco espelho desta cidade vaidosa de seu pôr-do-sol. Se ele não existisse, chego a pensar, o sol passaria reto por Porto Alegre, sem jamais voltar para o bis.

Mas o rio também inspira outros espetáculos. Esta semana mesmo, presenciei uma cena curiosa quando caminhava no calçadão de Ipanema. Na beira da água, um jovem fotografava a namorada. Ela, coberta por um vestido leve, saltitava alegremente na areia, fingindo voar como as garças que frequentam aquelas margens.

O menino esforçava-se para encontrar um ângulo que contemplasse ao mesmo tempo a energia adolescente de sua amada e a serenidade contagiante do rio.

Aquela cena de magia e vida me fez lembrar um verso de Fernando Pessoa, que ouvi certa vez na voz do ator Werner Schünemann: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.

O rio da minha aldeia, da minha gente, da minha vida chama-se Guaíba.

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