06 DE ABRIL DE 2024
CRISTINA BONORINO
NÃO É SÓ LÁ
Viajando por esse mundão a gente conversa com as pessoas e pergunta o que elas fazem, e elas perguntam da gente. Sempre que falo que trabalho com câncer, alguém traz uma pergunta que é variação de: "As empresas farmacêuticas já sabem a cura do câncer né? Elas devem ter vacina para isso, mas não revelam...".
A fantasia da conspiração é uma tentação em que a gente invariavelmente cai. Minha resposta sempre foi que, se elas tivessem essa vacina, estariam vendendo - e seria bem caro. E hoje, realmente, já existem vacinas para diferentes tumores, que funcionam mais como uma terapia do que uma vacina convencional.
Falando nisso, hoje, as vacinas em testes mais adiantados são as de mRNA - na verdade, foram a origem e inspiração dos imunizantes desse tipo usados na pandemia da covid-19. Foi o sucesso na pandemia que revitalizou essa área da indústria farmacêutica. E uma das vacinas em fase de aprovação é, inclusive, da Moderna, que produziu um dos imunizantes para o SARS-CoV-2. E como funcionam essas vacinas?
Os tumores são células com uma alta taxa de mutações. As vacinas usam essas mutações como um código de barras para treinar as células do sistema imune a ler apenas as células que as apresentam. E a vantagem do sistema imune é que ele tem memória, então elas protegem de recidivas.
Na prática, ao menos por enquanto, essas vacinas não funcionarão sozinhas, mas em combinação com outras terapias que já existem. Por exemplo, os anticorpos que são usados atualmente que reativam a resposta imune contra o tumor - que deram o Prêmio Nobel em 2018 aos seus criadores. Ou as células T, que são transformadas com um receptor que chamamos quimérico, porque liga a célula imune no tumor e promove a destruição das células tumorais.
Ou anticorpos sintéticos que fazem isso, os BiTEs. Todas essas alternativas estão sendo intensamente exploradas pela indústria farmacêutica. Que vende isso a preços bem altos. Lá fora e aqui. E a maioria das pessoas, então, acha que isso é inacessível - e aí fomentam-se mais teorias da conspiração.
Não é só lá fora que se desenvolve isso. No Brasil, temos cientistas focados em desenvolver alternativas para essas terapias - pessoas com o trabalho reconhecido no mundo todo. Na USP, vacinas anticâncer são estudadas e testadas há anos. No Inca desenvolvem-se células T com receptores quiméricos. Na UFCSPA, em Porto Alere, desenvolvemos anticorpos que desbloqueiam a resposta antitumoral. Jovens cientistas que vêm retornando ao Brasil trazem ideias novas e fazem um trabalho de vanguarda em universidades e institutos de pesquisa.
Não, não se sabe ainda como curar câncer. Mas sabemos que é um dos grandes problemas da nossa civilização - porque aumenta com as modificações que há a cada geração, devido ao nosso estilo de vida. Então, estudar e prevenir câncer não é e não deve ser considerado algo que vem de fora do país. Não podemos deixar de estudar as doenças infecciosas que ainda afetam a população, mas também não podemos ignorar o avanço do câncer e de suas terapias. Lá fora, mas, principalmente, aqui.
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