Nem sempre é amor
Nem sempre é amor. Às vezes, é obsessão. Você percebe que é obsessão por um traço específico: quando não consegue terminar o relacionamento. Parece estranho concluir isso, até porque você nunca se envolve pensando em se separar.
Mas não é querer terminar, é poder terminar. Na obsessão, você perde o livre-arbítrio, a escolha, o senso de medida, a condicional de permanecer numa convivência de acordo com a sua felicidade. A outra pessoa mentiu, e você persiste na relação. A outra pessoa quebrou sua confiança, pegou dinheiro emprestado, não devolveu, e você continua na relação. A outra pessoa foi infiel, e você prossegue na relação.
Nunca se separa, nada faz você se separar, nenhum motivo é graúdo o suficiente - é obsessão. Você se contenta com migalhas de atenção, suporta o comportamento indiferente, desatento e grosseiro do seu par, e se fecha na imobilidade. É uma teimosia que extrapola os limites do aceitável. É uma fantasia que não corresponde aos fatos. Você se submete a uma dependência em torno de um único objetivo: manter-se junto. Não importa o que aconteça, jamais prepara as malas.
Quando é amor, você não sente medo de terminar. Não aceita ser maltratado. Não aceita qualquer coisa. Não aceita uma partilha em que você tem o que não merece. Não aceita gritos, ordens, brigas, discussões, pressão, ataque gratuito de ciúme. Vai exigir o melhor. Dará adeus se o outro pisar na bola.
Se você é afetuoso, se você se faz presente, e não há contrapartida, não verá condições de seguir adiante. Fechará a conta, a porta.
Você não jogará seu tempo e sua juventude fora com quem está pela metade ou com quem se revela egoísta. Quando existe uma obsessão, você exclusivamente se norteia pela idealização. Arrasta o romance. Não valoriza a qualidade da convivência. Não reage aos capítulos diários da troca.
Você não admite o término, bota na cabeça que aquele relacionamento é único e irrepetível, o mais importante de sua história. Não observa o que vem recebendo e acaba absolutamente bloqueado para o momento atual. Só envelhecendo na esperança, só mirando o futuro, só mirando uma promessa, só mirando a ideia fixa de um destino.
É uma obsessão, não amor, porque você é destratado, subestimado, posto de lado, excluído, e se devota a preservar uma aparência agradável de casal, uma fachada de harmonia, escondendo a explícita ausência de conteúdo.
Não mensurar o avanço do casamento, é sinal de que você se encontra obcecado. Acredita que achou a sua alma gêmea, e não identifica a precariedade em que se meteu. Não reconhece o pântano debaixo dos seus pés. Hipnotizado pelo sacrifício, abstraído pela crença da resiliência, apenas insiste em fazer o relacionamento durar.
Privilegia durar a dar certo, o que é muito diferente. Duração não significa que o relacionamento deu certo. Você pode partilhar o teto por 10, 15, 20 anos com alguém e ter sido infeliz. E ser com ele infeliz para sempre.
A duração não é sinônimo de felicidade. O que define a felicidade é o quanto você cresceu profissionalmente, o quanto fortaleceu os laços com a família, o quanto impulsionou a sua rede de afetos, o quanto passou a se mostrar mais sábio diante dos dilemas da existência.
O amor melhora você para todos, não somente para a parte interessada. Preso na teia da obsessão, você adia o fim, não é capaz de encerrar o ciclo de perdas. Pelo receio de morrer sozinho, desperdiça a sua vida com as piores companhias.
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