quinta-feira, 25 de abril de 2024


25 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Alpinistas de cancelas

Existem os alpinistas das cancelas do shopping. Os que praticam rapel na hora de mostrar o comprovante de pagamento. Vou explicar. Já testemunhei infindáveis casos. Na saída do estacionamento, no momento de encostar o tíquete no visor eletrônico, o motorista faz a proeza de parar o carro longe do token. Falta braço. É um goleiro de braço curto.

Começa o constrangimento público, absolutamente evitável. Ele fica encalacrado no quase. Estica-se todo pela janela aberta, sem conseguir a validação. É possível escutar, mesmo a distância, os seus ossos estalarem em forçado alongamento.

Com o fracasso, com o engarrafamento aumentando atrás de si, com o medo da buzinada contagiosa dos colegas de ocasião, ele é tomado pela pressa, pela ansiedade, e se lança para uma missão impossível: tirar o cinto e abrir a porta do carro. Só que tampouco quer ter o trabalho de apagar o veículo e andar, recusa-se a empreender a tarefa calmamente do lado de fora.

Não aceita desligar o motor. Não admite desistências. Então, vira um Minotauro: metade gente, metade touro. Mantém incrivelmente o pé no pedal do freio e pisa no chão com o outro, jogando o seu corpo para frente, escalando o topo da montanha da cancela, tentando inutilmente levantar o código de barras do cartão para liberar o acesso.

Não é que seja um péssimo motorista, não é que não goste de balizas. É a crença afoita de que passará pela cancela, não precisará estacionar na cancela como se fosse uma vaga provisória. Ele executa uma decisão equivocada, intuitiva.

Pensa que será uma transição rápida, e não capricha. Encalha na passagem. Nem sempre tem um fiscal por perto para acudir. Nem sempre ocorre a leitura automática da placa por câmera. Além da coreografia cômica, não há como o espectador da confusão não temer um desastre.

Seria muito mais prudente aceitar a primeira falha para não vacilar tanto depois. Seria muito melhor dar uma ré quando havia espaço de retaguarda e alinhar as rodas para se colocar mais próximo.

A cena ilustra nossa resistência ao recuo. Temos uma noção de que recuar é covardia, é ausência de convicção, é derrota moral, e realizamos parvoíces em nossa vida. Avançamos mesmo estando errados, e apenas acentuamos nossa conduta desfavorável.

Uma grande mentira já foi pequena antes. O tempo que você levou para assumir a verdade é que aumenta a gravidade da situação. Um grande erro já foi ínfimo antes. O exaustivo adiamento até a reparação é que o torna irreversível.

O perigo mora nos detalhes. Retroceda no ato. Desculpe-se enquanto age.

CARPINEJAR

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