terça-feira, 29 de dezembro de 2015



29 de dezembro de 2015 | N° 18399
SUA VIDA | SAÚDE

Psiquiatras contestam Conanda sobre restrições ao uso de Ritalina

PREOCUPADO COM CRESCIMENTO de prescrições do metilfenidato, órgão estabeleceu que crianças e jovens diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade têm direito a opções
Uma resolução publicada recentemente pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) reacendeu um debate que não é novo, mas que insiste em reaparecer: a prescrição de medicamentos a crianças com problemas relacionados à aprendizagem, ao comportamento e à disciplina. O documento estabelece que é um direito de meninos e meninas o acesso a opções que não envolvam uso de remédios.

O Conanda é um órgão colegiado permanente de caráter deliberativo e composição paritária – são 28 conselheiros titulares, sendo 14 representantes do Poder Executivo e 14 de entidades não governamentais. Está ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A decisão do Conanda levou em consideração dados que mostram o aumento no consumo do metilfenidato (Ritalina), utilizado no tratamento de crianças e adolescentes com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A argumentação leva em conta dados do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que mostram um aumento de 775% no consumo de metilfenidato entre 2003 e 2012. Com esses números, o Brasil se tornou o segundo mercado mundial do medicamento, com cerca de 2 milhões de caixas vendidas em 2010.

Entre os principais pontos da iniciativa do Conanda, está a recomendação de que o uso desse medicamento ocorra apenas após um diagnóstico preciso, feito por uma equipe multiprofissional, de acordo com as normas do Ministério da Saúde.

– As questões ligadas à aprendizagem, ao comportamento e à disciplina muitas vezes são tratadas como problemas de saúde, o que acaba levando a medicalização de crianças e adolescentes mesmo sem uma análise aprofundada do problema – explica Rodrigo Torres, presidente do Conanda, que acredita no diagnóstico multidisciplinar como uma forma de garantir que o problema da criança é de saúde “e não um problema social, cultural, de adaptação e de integração”.

RESOLUÇÃO TRAZ PREJUÍZO, DIZ PRESIDENTE DA ABP

O presidente da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Carlos Salgado, avalia que os dados de aumento na prescrição devem ser contextualizados, pois o fato acompanharia um maior número de diagnósticos e de acesso ao tratamento. Para ele, quando uma instituição se posiciona “apenas apresentando números, sem contextualizá-los, essa conduta apressada pode aumentar o preconceito contra doenças mentais”.

– O que assistimos é o subdiagnóstico de grande parte da população e um diagnóstico discutível em algumas subpopulações mais privilegiadas, com mais acesso. Dados internacionais revisados e reafirmados pela ciência mostram que 4% das crianças têm Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) nos seus vários subtipos e com impacto variáveis. Estamos prescrevendo menos do que deveria ser. Existem focos de distorção? Sim, mas isso ocorre em qualquer área – afirma Salgado.

Ele concorda que a multidisciplinaridade contribui tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento, e cita a importância de professores bem instruídos sobre o tema.

– Para o tratamento de TDAH, é bacana ter pedagogo, psicólogo, professor instruído e tolerante, capaz de manejar indivíduos desatentos, pais zelosos. Mas isso não quer dizer que não se deve fazer o diagnóstico correto e que não seja prescrito o remédio. Ele tem uma eficiência, feliz ou infelizmente, muito maior do que esses outros recursos, que complementam o tratamento de forma excelente – defende Salgado.

O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antonio Geraldo da Silva, criticou duramente a decisão do Conanda:

– Essa resolução é um grave prejuízo para quem tem TDAH, pois traz preconceito enorme. É ridículo você falar em diagnosticar uma doença como essa com uma equipe multidisciplinar. Não tem ninguém que possa fazer o diagnóstico que não o médico.

Silzá Tramontina, coordenadora do programa de Crianças e Adolescentes Bipolares do Hospital de Clínicas, tem a mesma opinião.

– Eu acho que é contra a ciência. Já há evidências suficientes para sabermos que TDAH existe, já tem tratamento instituído, então não há dúvidas quanto ao tratamento. O que acontece é que há muitas prescrições indevidas no Brasil. Isso gera um certo preconceito, o que infelizmente acontece muito com as doenças mentais. Aí os pacientes que não têm tratamento repetem o ano na escola, perdem amigos, festinhas, todo esse prejuízo aumenta o risco de usarem drogas, de não conseguirem bons empregos. O uso da medicação realmente pode mudar uma vida – afirma Silzá.

bruno.felin@zerohora.com.br

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