sábado, 12 de dezembro de 2015



13 de dezembro de 2015 | N° 18384 
ANTONIO PRATA

Numa escola ocupada


Nós fomos falar de literatura, mas esperávamos que a discussão migrasse para a proposta de fechamento das 92 escolas estaduais, em São Paulo, o impeachment, a crise hídrica e outros temas espinhosos do noticiário. No entanto, a conversa que eu e os amigos escritores Fabrício Corsaletti, João Paulo Cuenca, Chico Mattoso e Paulo Werneck tivemos com os alunos de uma das 196 escolas ocupadas, no último domingo, não poderia ter sido mais diferente do que imaginávamos.

“Alckmin” foi pronunciado uma vez só – e por mim. A política, neste sentido menor, mesquinho, que vem sendo praticado pelo país nos últimos 515 anos, passou longe, e a literatura foi apenas o veículo que nos levou ao que realmente interessava: a Política com P maiúsculo, no sentido que os atenienses deram ao termo, 2.400 anos atrás e que estes alunos e alunas da rede pública vêm resgatando desde que entraram em suas escolas de manhã cedinho, há quatro semanas, e não saíram mais.

Dormem por lá, cozinham, tomam banho, fazem faxina, reparam infiltrações e recebem mais atividades extracurriculares, nestes 30 dias, do que em toda a vida escolar. “A gente nunca tinha tido um debate, aqui”, disse uma das alunas. “Esse ano, todo mês, eu tentava trazer alguém, mas a diretora proibia.” Desde a ocupação, com a ajuda de voluntários, organizaram shows, aulas de geografia, física, culinária, yoga, dança, teatro, improvisação, quadrinhos, música, debates sobre dívida pública, questões de gênero – e a lista continua.

Em uma hora e meia, não ouvimos nenhum desses clichês de Facebook sobre a roubalheira petralha ou a privataria tucana. As questões saltavam o estéril Fla x Flu e aterrissavam no solo bem mais fértil da experiência cotidiana. “A gente só teve poesia no terceiro colegial, pro vestibular”. “Os professores entram, botam tudo na lousa e acabou”. “A diretora fica vários meses viajando e quando aparece, não tá nem aí”. “Encontramos três mesas de som, tela, tinta, um monte de papéis a que a gente não tinha acesso”.

A ocupação começou contra a proposta de fechamento de 92 unidades de ensino (já adiada pelo governo), mas no processo os alunos descobriram questões mais importantes. Que as escolas não precisam ser ruins. Chatas. Abandonadas. Que “público” não é do governo e tampouco de ninguém, mas deles. Aprenderam, por si sós – “fazendo arroz pra cem negos” e decidindo, em assembleia, se o cigarro seria ou não liberado, lá dentro (não) –, talvez a lição mais importante que se pode levar da escola: que são donos dos próprios narizes e responsáveis pelo mundo em que vivem. Agora, se perguntam: se com pouca idade e experiência eles conseguem administrar aquele espaço tão bem, por que o Estado mais rico da oitava economia do mundo não consegue?

No fim do papo, uma garota do terceiro colegial nos falou: “O que eu mais queria era tá no primeiro, pra poder estudar três anos nessa escola do jeito que ela vai ser daqui pra frente, depois da ocupação”. Me deu um baita nó na garganta: ainda não sei se foi pela esperança que essa experiência me traz num momento tão trevoso da história nacional ou se pela tristeza de ver que a única resposta que o país parece ter para os anseios destes meninos é soco, cassetete, bomba e gás lacrimogêneo.

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