sábado, 26 de dezembro de 2015



27 de dezembro de 2015 | N° 18397 
MARTHA MEDEIROS

De castigo no museu


Qual será o pior emprego do mundo? A lista deve ser longa, e trabalhar dentro de um museu não deve fazer parte dela. Geralmente são belos prédios, o funcionário fica protegido das intempéries, convive com pessoas de bom gosto e passa os dias cercado por arte. 

Será assim mesmo?

Recentemente conheci um antigo convento transformado em centro cultural numa cidade do Brasil. Fui até lá almoçar com um amigo (o restaurante era bem recomendado) e aproveitei para chegar um pouco mais cedo a fim de visitar a mostra que estava sendo exposta. O táxi me deixou na entrada às 11h30min da manhã. Entrei. Ao comprar meu tíquete, a moça da bilheteria suspirou: “Finalmente”.

Finalmente o quê? “Alguém.”

Sorri e me dirigi à primeira sala. Entreguei meu tíquete a uma moça e ela me deu o bom dia mais alegre que recebi na vida. “Bem-vinda. É a primeira.” Li seus pensamentos: “Talvez a última”.

Então fui entrando, sala por sala. Meus passos ecoavam. Não havia nem uma mosca com quem dividir meus comentários desabonadores – não me entusiasmei com nada. Olhei para o relógio e haviam se passado cinco minutos, mas parecia que eu estava cumprindo pena de 30 anos. Foi então que prestei atenção nelas. Nas mulheres que ficavam no canto de cada sala, guardando a integridade das peças. Umas sentadas, quase cochilando, e outras em pé, esticando os joelhos. 

Olhando o dia inteiro para as mesmas obras, que não eram nenhum Van Gogh, nenhum Edward Hopper, nenhum Dalí. Eram quadros e esculturas pouco envolventes, expostos em salas em que quase ninguém transitava. Resolvi puxar assunto. “Posso fotografar?” “Sem flash, pode.” Perguntei para outra: “É sempre animado assim?”. Ela deu um sorriso encabulado. Então entrei em outra sala e havia uma instalação instigante. Vários facões pontiagudos pendiam do teto. Paredes pretas, tudo preto, apenas aquelas lâminas afiadas e brilhantes sobre minha cabeça e a da moça que ali dava expediente. 

Eu sairia daquela emboscada em meio minuto, mas ela ficaria até às 5h da tarde com aqueles 300 facões sobre a cabeça. Imaginei o teto baixando lentamente, enquanto nós duas, amarradas, aguardaríamos a chegada de um super-herói. Mas não era um filme do Batman. Arrisquei: “Não é uma chatice passar o dia inteiro aqui dentro?”. Ela encheu as bochechas de ar e depois expirou, revirando os olhinhos. Boa resposta. Resolvi contemporizar. “Ao menos você está empregada, né?” Ela deu de ombros com as palmas da mão viradas pra cima, admitindo o consolo. Acho que era muda.

Fugi correndo daquele baixo astral e fui para o restaurante esperar meu amigo. Os garçons perambulavam pra lá e pra cá sorridentes, havia música boa, as mesas estavam ocupadas por jovens falantes e a arte saía da cozinha, em pratos saborosos. Lá era sempre animado assim, eu não precisaria perguntar.

Vigia de sala de museu. Coloquei na lista.

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