quinta-feira, 17 de dezembro de 2015



17 de dezembro de 2015 | N° 18388 
DAVID COIMBRA

Chega de briga

Um dos mais profundos e duradouros males gerados pelo populismo é a transformação da análise política em debate passional. Mal profundo, duradouro e inevitável – o populismo só sobrevive na divisão e na rotulação. Do meu lado estão os bons; no lado oposto estão os maus. No populismo, vicejam os adjetivos. Há os “entreguistas”, os “conscientes”, a “elite conservadora”, os “progressistas”, e por aí afora. No populismo, não há divergentes: há inimigos.

O regime populista é salvacionista. Coloca-se sempre como herói do povo, lutando contra os exploradores do povo. A partir daí, os que estão fora do governo populista cumprem a lei de Newton da ação e reação. Reagem com igual força e intensidade: passam a odiar os populistas, tudo o que eles representam e todas as suas ações. Atiram-se no lado oposto. E tornam-se igualmente populistas, só que de outro campo ideológico.

Esse é o Brasil de hoje.

O Brasil e a América Latina se repoltreiam no populismo desde os anos 30 do século 20, mas, naquele tempo, o populismo era um fenômeno internacional. Havia Getúlio no Brasil e Perón na Argentina, havia Franco na Espanha e Salazar em Portugal, Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, Tito na Iugoslávia, Stálin na finada União Soviética, Mao na China et caterva.

Depois da II Guerra, a maioria dos países se modernizou, a democracia passou a ser vista como um bem em si e a defesa dos direitos humanos se consagrou como objetivo das sociedades civilizadas. O Brasil também deu alguns passos vacilantes nessa direção, mas a influência do populismo continuava poderosa. Jânio foi um populista da UDN, de caspa no ombro e sanduíche no bolso. Collor foi sua cópia escarrada, mas andando de jet ski e penteando o cabelo com gel. Jango era um herdeiro perplexo do populismo de Getúlio. Os militares, com Médici na ponta da estrela, eram populistas moldados pela Guerra Fria, como o feroz Pinochet no Chile, como os ainda mais sanguinários generais argentinos. Populismo à esquerda, populismo à direita. Tão longe, tão perto.

Itamar Franco e Fernando Henrique não eram populistas. E a ascensão do PT ao poder não teria de ser, necessariamente, uma retomada do populismo. Porque um governo trabalhista, como devia ser o do PT, não precisa apelar para essa estratégia. Brizola foi, para usar um termo de sociólogo, “desconstruído” politicamente pelo PT quando os petistas conseguiram grudar nele o rótulo (verdadeiro) de ser populista. Logo, não era essa a ideia inicial.

Democracias maduras funcionam, exatamente, com a alternância natural e pacífica de modelos administrativos. Ora um governo mais liberal, ora um governo mais conservador. Isso é saudável, porque corrige excessos. Está demais para lá, vamos um pouquinho para cá. O sistema está sempre se ajustando.

Em momentos de crise, uma democracia madura, não contaminada pela paixão, consegue fazer diagnósticos e prognósticos mais precisos da situação.

Se não estivéssemos eivados dessa ânsia de encontrar culpados, se tentássemos apenas encontrar soluções, o que faríamos agora, em que tudo só parece piorar, com o país sendo rebaixado por outra agência de risco e políticos e empresários sendo presos?

Teríamos de buscar a estabilidade. Ou a renúncia coletiva, com novo governo e novo Congresso eleitos em 2016, ou um pacto nacional para levar o governo Dilma até 2018. Dilma e o PT teriam de ceder um tanto e a oposição teria de ceder outro tanto. Fim do processo de impeachment e uma junta de governo formada por líderes de todos os matizes, com Dilma como presidente. E chega de briga. Pelo menos por enquanto.

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