12 de dezembro de 2015 | N° 18383
DAVID COIMBRA
O especial do Roberto Carlos
Está bem. Vou dizer. Admito.
Gosto do especial de fim de ano do Roberto Carlos.
Inclusive já fui a shows do Roberto Carlos, se você quer saber. E, para quem nunca foi, revelo agora: são sempre iguais. Não muda nada, nem as gracinhas que ele faz, nem as reações enlevadas da plateia, tudo absolutamente igual.
O Roberto Carlos tem compulsão por fazer tudo sempre igual. É parte daquele TOC que ele tem. Numa entrevista para o Jô Soares, ele contou que, uma vez, foi à missa numa igreja de, se não me engano, Los Angeles, e passou tempo demais rezando. Todo mundo saiu, ficou só o Rei, e o sacristão fechou a porta principal da igreja. Aí o Roberto foi falar com o sacristão. Pediu que abrisse a porta. O sacristão respondeu que a porta lateral estava aberta.
– É que eu entrei por essa porta e tenho que sair por ela – argumentou o Roberto, apontando para a porta principal. – A porta lateral está aberta, senhor – repetiu o sacristão. – Pode sair por lá.
– Não! – rebateu o Roberto. – Não posso. Entrei por essa, tenho que sair por essa!
O sacristão olhou para ele desconfiado e anunciou: – Se o senhor não sair agora, vou chamar a polícia.
Como o Roberto sabe que nos Estados Unidos a polícia atende a esses chamados e, atendendo, pode dar problema sério, saiu pela porta lateral.
Voltou no dia seguinte. Entrou pela porta lateral e saiu pela da frente, para desfazer o encantamento.
O Roberto Carlos, você sabe, só usa azul e branco, e tem muito medo do marrom. Ele sai correndo quando alguém de marrom se aproxima. Havia um tempo em que ele não dobrava jamais para a esquerda. Quando chegava ao aeroporto de Porto Alegre para fazer show no Gigantinho, ia dobrando para a direita, para a direita, para a direita e acabava chegando sempre a Cachoeirinha.
O Roberto Carlos é uma pessoa estranha.
Mas gosto das músicas dele dos anos 1970. As músicas do tempo da dor por amor. Depois dos anos 1980, quando ele começou a fazer música para as baleias e botou aquela pena na cabeça, não gostei mais.
A verdade é que, passados os anos 1980, tanta coisa mudou, no Brasil. Vários artistas ficaram estranhos. O Belchior tem sumido, desde então. Estranhíssimo. O Milton Nascimento: estranho. Xuxa: estranha. Dalto: muito estranho.
E o Chico Buarque, que compunha aquelas músicas belíssimas, cansou. Foi escrever livro e falar bem do governo. Pode algo ser mais estranho?
O Brasil definitivamente não é mais o mesmo. Perdeu muito do senso de humor, mas, em vez de tornar-se um país sério, tornou-se amargo. As relações entre as pessoas são outras, a política é outra, o futebol é outro, a música é outra. Só o especial do Roberto Carlos, no final de cada ano, continua igual. Por isso assisto, lembro do velho Brasil, que não existe mais, e suspiro: foram tantas emoções...
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