sábado, 12 de dezembro de 2015



13 de dezembro de 2015 | N° 18384 
MOISÉS MENDES

Os mentirosos


A dispersão da internet me levou à propaganda do livro Manual de Persuasão do FBI, do catálogo da Folha de S. Paulo. É um ajuntado dos truques do ex-agente federal Jack Schafer. Quando vi, estava lendo toda a resenha, apesar de não ser um assunto que me agrade.

Deixei de me interessar pelas arapongagens do FBI há exatos 10 anos. Foi quando o Garganta Profunda, o misterioso homem que orientava os jornalistas do Washington Post no caso Watergate, revelou sua identidade. Um mistério mantido desde 1974 não poderia ter sido desvendado sem glamour. E foi.

Quando o Garganta aviosu que finalmente iria mostrar o rosto, criou-se a expectativa de que estaríamos diante de alguém como o Clark Kent do Super-Homem ou o Bruce Wayne do Batman. Fomos apresentados a um vovô de cabelos brancos, olhos miúdos, em fotos ridículas em pose de caubói, sem a menor chance de convencer o mundo de que ele era o cara. O ex-agente do FBI Mark Felt nunca poderia ter sido o Garganta Profunda.

Agora, pensando no Garganta que deveria ter morrido como lenda, leio que o manual de convencimento do FBI pode estar disponível a qualquer um. São os segredos do “doutor Schafer”, ex-agente especial para o Programa de Análise Comportamental da Divisão de Segurança Nacional.

Diz a resenha que o doutor Schafer “desenvolveu estratégias dinâmicas e inovadoras para entrevistar terroristas e detectar mentiras”. Ele promete no livro que é possível aplicá-las no cotidiano, para “obter sucesso nas relações interpessoais”.

A autoajuda chegou à arapongagem. Pode ser útil, num momento em que todos desconfiam de todos. Leiam o que diz o resumo: “Quer influenciar pessoas recém-conhecidas e planejar a imagem pessoal que transmitirá no dia a dia? Quer entender através da linguagem corporal o que passa pela cabeça das pessoas ao seu redor? Quer descobrir se alguém está mentindo?”.

Agora, imagine o contrário: um livro que nos ajudasse a identificar, no que nos interessa no momento da confusão política, não quem mente, mas quem diz a verdade. Porque a regra foi subvertida por Brasília. Quem diz a verdade? E o que é a verdade?

Até bem pouco, com a ajuda de muita gente, inclusive de nomes de peso da imprensa, Eduardo Cunha seria a verdade. Já se sabia, pelo movimento labial, que era mentira. Cunha, a maior farsa política do século 21, é sustentado pela cumplicidade da sua base na Câmara, pelas omissões do jornalismo (vamos admitir) e pelas indecisões do Ministério Público e da Justiça.

O agente da persuasão deve nos ensinar como podemos convencer os que ainda sustentam Cunha, inclusive os dissimulados, de que sabemos que estamos sendo enganados. Ou as instituições, o jornalismo, o tal conjunto da sociedade não teriam permitido que um corrupto se adonasse de dois rituais – o da própria cassação e o do impeachment da presidente da República.

Cunha não é a comprovação da nossa incapacidade de convencimento. É o personagem que, no fim, todos nós merecemos. O anúncio do Supremo de que a Corte é que determina como deve ser o processo de impeachment na Câmara tenta nos contentar com o detalhe. A liturgia terá a vigilância do STF. Mas o condutor da liturgia pode continuar sendo Eduardo Cunha.

Corre na internet que Tiririca seria o quinto na linha sucessória da Presidência. Se essa piada vem sendo reproduzida, é porque chegamos ao ponto em que até Tiririca passa a ser considerado um personagem provável das próximas etapas desse enredo. E os adoradores dos Cunhas e dos Bolsonaros ainda acham que coisas assim só acontecem na Venezuela.

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