quinta-feira, 10 de dezembro de 2015



10 de dezembro de 2015 | N° 18381 
CARLOS GERBASE

O FIM E OS MEIOS


Há filmes que despertam unanimidades. Há duas semanas, escrevi sobre uma cena de Que Horas Ela Volta? e não recebi uma única contestação ao caráter excepcional do filme e da sequência propriamente dita. E há filmes que dividem opiniões, como O Fim e os Meios. Quando assisti à obra de Murilo Salles no Festival de Gramado, fiquei com a sensação de que ela entraria fácil na pauta do país, pois o pano de fundo da trama é a nossa estrutura política, fragilizada há anos com um sistema cheio de furos para o financiamento das campanhas.

Murilo Salles fez um filme para incomodar. Não fez um filme para agradar a esquerda ou a direita. Muito menos o centro. Políticos, assessores, marqueteiros e jornalistas estão envolvidos numa mesma roda-viva que gira tão rápido que ninguém consegue agarrar aquelas antigas convicções éticas que apontavam quem é bandido e quem é mocinho. 

No impeachment de Collor, havia a sensação de que o Brasil estava purgando seus males e, portanto, melhorando. Os mocinhos usavam chapéu branco, e os bandidos, preto. Hoje todo mundo tá de chapéu cinza, e ninguém, muito menos o espectador, consegue achar um herói plenamente confiável.

Há uma cena particularmente incômoda. A jornalista Cris (Cíntia Rosa) vai até a casa do assessor político Hugo (Marco Ricca) tentando achar uma saída para o rolo em que estão metidos. Acontece que, por motivos extra-políticos – digamos, simplesmente biológicos –, Cris sente atração por Hugo, e os dois acabam transando. No princípio, a transa parece ser imposta por Hugo, mas isso não impede que Cris tenha prazer durante o ato. Complicado, não? O fato de Cris ser negra pode levar a interpretações ainda mais complicadas.

A carga erótica é suficientemente alta para despertar a ira dos moralistas de plantão. Murilo Salles optou por uma narrativa que alterna uma dose de mistério – há coisas que não vemos e temos que supor – com detalhes muito realistas. Como Marco Ricca e Cíntia Rosa são talentosos e estão bem dirigidos, a cena é quente, sensual e tremendamente dúbia. Se os desejos de poder são perigosos, o que dizer dos desejos dos corpos, mais primitivos e mais urgentes? A cena incomoda, o filme todo incomoda, e por isso é tão bom. COLUNAS ANTERIORES: zhora.co/carlosgerbase

PRÓXIMA QUINTA: Luciano Alabarse

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