sexta-feira, 11 de dezembro de 2015


Jaime Cimenti

Minha avó


Melhor dar um refresco para mim e para os leitores neste finalzinho de ano. Aliás, que 2015 acabe de uma vez. Ele parece aqueles jogos de futebol terríveis que a gente quer que o juiz apite o fim até antes da hora e termine logo com a agonia. Dá vontade de fazer até como o outro, apagar os refletores e acabar o jogo. Crise política, crise econômica, crise moral, sumiços no WhatsApp, estresse natalino e pós-natalino... Que venha logo 2016, pelo amor de Deus!

Melhor falar da nonna Ida, minha avó materna, que morreu, na Itália, há uns 40 anos. Ela já era viúva há uns 20, usava muitas roupas pretas. Manteve cabelos brancos e longos, ajeitados num coque e lenço na cabeça até morrer, quase sem se preocupar com cortes, cabeleireiros e maquiagem. Nunca se casou de novo. Perdeu o marido, que tinha 61 anos, num acidente de trânsito misterioso. 

Ela nunca descobriu o que realmente aconteceu. Perdeu um filho ainda jovem, batido por um câncer. Não era de reclamar a dona Ida. Quando moça, órfã de mãe cedo, ajudou a criar seus cinco irmãos. Cuidou da sogra doente, depois. Viveu os horrores de duas guerras mundiais. Viu uma filha casar mal, três filhos emigrarem para a América e engravidou aos 47 anos de seu último filho - no total, teve sete. Morava, modestamente, numa propriedade na pequena Maserada Sul Piave, perto de Treviso, no Vêneto, Norte da Itália.

Nona Ida criava galinhas, patos, tinha umas vacas leiteiras, uma horta, um pequeno parreiral e já era ecológica e orgânica lá por 1930. Nada de agrotóxicos, nada de enlatados, comida industrializada, embutidos duvidosos e outros produtos que não fazem bem para a saúde. Ida era religiosa, não costumava falar dos outros, tinha olhos claros e trabalhou muito, sem se queixar da vida, até pouco tempo antes de morrer, aos 74 anos.

Nona Ida fez pequenas viagens a locais próximos, nunca se afastou muito de sua casa, mas nunca se sentiu prejudicada por isso. A avó me ensinou que a gente economiza quando tem para economizar, que não se faz aos outros o que não se quer que façam para a gente, que o Diabo pode fazer a panela mas não a tampa e que é melhor dar que receber. Minha avó vivia de acordo com os ritmos e ciclos do sol, da chuva, da lua e das outras forças da natureza.

Viu a sua Itália passar por tempos bons e ruins, passou pelas fases da vida com serenidade, aceitação, tristeza e alegria. Perdeu e ganhou como todos nós, mas tinha alguma coisa ou muita coisa de santa. Uma força grande a movia, uma energia a levava para a frente, mesmo diante das adversidades. Poucos médicos e remédios precisou, num tempo em que não havia muitos. Não tinha tempo para adoecer, talvez.

Como se fosse uma cotovia, dormia e acordava cedo. Cedo colocava seu avental, seu chapéu de palha e iniciava a lida dentro e fora de casa. Era boa de fogão a nonna, e dizia que numa cozinha o número de mulheres deveria ser sempre ímpar e menor que três...

a propósito...

Minha vó deixou poucos bens. Nenhuma dívida, processo judicial. Deixou lembranças lindas e uma grande luz, que me iluminam quando a coisa fica feia. Quando comprava, ela pedia para pagar à vista, com desconto. Evitava pedir dinheiro emprestado. Gastava menos do que ganhava. Pensava no futuro. Não desperdiçava. Procurava não depender do governo ou dos outros. Rezava, acreditava em Deus, frequentava a Igreja e ajudava os outros. Fazia o bem. 

Não lembro de ela ter feito mal a quem quer que seja. Infelizmente convivi pouco com ela, que morava na Itália e eu aqui. Mas o pouco foi muito. A nonna era uma pessoa honesta, íntegra, verdadeira. Não precisa ser canonizada. Foi santa na vida. 

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