quarta-feira, 30 de dezembro de 2015



30 de dezembro de 2015 | N° 18400 
PEDRO GONZAGA

A VERDADE SOBRE NÓS


Três homens e um destino. Corrijo. Um homem, dois adolescentes, um destino: Mariluz. E acresço: noite de Ano-Novo, 1990.

Meu pai, meu irmão Lucas e eu, sonolentos, no esquecido balneário. Injustamente esquecido, pois creio que ainda hoje deve manter Marylight seus portentos: a Samar, palco de ameaçadores bailes de Réveillon e Carnaval; a sorveteria na Paraguassu, a primeira a ter o sabor de chocolate branco (e um gordo sempre sabe onde estão tais marcos miliários), e as cucas da Assmann, extintas em nossa mesa antes mesmo de esfriar.

Que fique claro: havia patuscadas naquela praia, nós é que elegêramos a seriedade, que parecíamos não ter herdado de meu avô o espírito pândego. Anos mais tarde, no entanto, depois de uma vida encoberta por livros e feitos intelectuais, meu pai, quando no posto de secretário de Cultura de Porto Alegre, assumiria a verdade do sangue, tornando-se o rei dos desfiles carnavalescos, sassaricando nas cinco noites, enfim liberto. 

Mas não lá, não em Mariluz. Tendo hoje quase a idade que tinhas então, perdoo-te pela cidra, pelo aperto de mão ainda antes da meia-noite, pelos votos singelos (é difícil lidar com adolescentes), mas não te perdoo pela farsa. 

Por ter-nos feito acreditar na aristocracia dos livros, por discutir conosco a Guerra do Golfo, por nos fazer ver com ironia – e não com suburbana maravilha – a disputa entre as casas da frente para mostrar qual abrigava os maiores foliões desde que os dois vizinhos, amigos de décadas, cujas propriedades sequer tinham muro divisório, haviam brigado porque um se passara com a mulher do outro numa churrascada.

Meu assunto para a última crônica deste ano do capiroto seria o despotismo daqueles que decidiram normatizar a vida dos outros nas redes. Mas não. Que importa? Acordei de um sonho revelador. Nele, com meu porte de baco de Rubens, eu dançava freneticamente entre ninfas bronzeadas com margarina e Coca-Cola, às luzes de pastilhas pisca-pisca no salão da Samar, para em seguida me refestelar entre cornucópias de coxas sobre um enorme colchão feito de cuca de uva da confeitaria Assmann.

Assim, que venha 2016, e com slogan de filme: o ano do despertar.

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