07 de julho de 2015 | N° 18217
DAVID COIMBRA
Não empreste dinheiro
O caso Grécia versus Alemanha mostra como é verdadeira a máxima
segundo a qual, se você quer perder um amigo, deve emprestar dinheiro a ele.
A amizade entre gregos e germânicos provavelmente ficará abalada
com toda essa discussão, dividindo também os simpatizantes de uns e outros. Talvez
a maior parte do mundo esteja “torcendo”, digamos assim, pelos gregos, porque é
da natureza humana torcer pelo mais fraco, mas tenho cá minhas dúvidas se essa
parte do mundo está certa.
Pelo seguinte: não sei se o pagamento da dívida é o
verdadeiro problema dos gregos.
Digo isso por experiência pessoal. Passei a infância e a
juventude ouvindo que a dívida externa era o maior problema do Brasil. Havia
intensos debates a respeito. Economistas faziam cálculos indicando quanto cada
brasileiro devia, dividindo o montante da dívida pelo número de habitantes do
país. Dizia-se, então, que o brasileiro já nascia devendo. Nos muros, pichava-se:
“Fora FMI”. E as esquerdas pregavam o calote como manifestação de soberania.
Bem. Aos poucos, a dívida foi paga. E o que aconteceu? Nada.
As pessoas continuam vivendo mal, no Brasil.
Pegue duas áreas fundamentais: educação e segurança pública.
No tempo em que o Brasil estava endividado, eu estudava em ótimas escolas públicas
e andava tranquilamente pelas ruas de Porto Alegre de madrugada. Hoje, o Brasil
não deve um dólar, mas, se eu quisesse boa escola, teria de procurar uma particular,
e não poderia flanar às quatro da manhã sem ver a boca de um trezoitão fazendo ó
para mim.
Então, diria para os gregos que não vai adiantar dar calote,
não vai adiantar eleger um novo Péricles, nada vai adiantar, a não ser uma
gradual e profunda mudança estrutural. E mudanças estruturais profundas, mesmo
graduais, doem.
Tudo flui
Um dos maiores gregos de todos os tempos, Heráclito, “O
Obscuro”, dizia: “Panta rei”. Ou: “Tudo flui”.
É dele aquela imagem que já dura 25 séculos: “O mesmo homem
não pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”.
Sim, porque o rio está sempre correndo, sempre mudando,
nunca é o mesmo rio, e o homem também está sempre mudando, nunca é o mesmo
homem.
Isso é tanto verdade que os gregos mudaram, não são mais os
do tempo de Heráclito. Assim como os antigos egípcios construtores de pirâmides
e os austeros romanos dos tempos da república, os gregos que inventaram a
filosofia, o teatro e a democracia não existem mais. Deles, restaram estátuas
sem braços e ideias que abraçam.
Por exemplo: Heráclito também dizia que tudo, no mundo, se
transforma em seu contrário, no devido tempo. Porque os contrários são dois
aspectos do mesmo, como a morte só existe se houver vida, fazendo com que o que
vive, ainda que anseie pela imortalidade, pulse pela morte – uma antecipação de
Freud.
Segundo Heráclito, é a tensão dos contrários que produz a
energia, o movimento e, por fim, o equilíbrio – uma antecipação de Hegel.
Talvez seja esse o destino da tensão que ora afasta gregos e
germânicos: a harmonia, no final. Mas só no final.
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