sábado, 4 de julho de 2015



05 de julho de 2015 | N° 18215
L. F. VERISSIMO

Carinho

Um pouco de história antiga. Ninguém sabia explicar como um copo do Hotel Everest, de Porto Alegre, tinha ido parar na nossa casa. Até que alguém se lembrou: o Vinicius! Ele e o Toquinho estavam se apresentando na cidade e tinham ido fazer seu show para o meu pai, a domicílio. O Vinicius tinha o hábito de carregar sempre um copo de uísque onde quer que fosse. É possível que até hoje exista um copo da nossa casa no Hotel Everest.

O uísque foi o combustível de uma época, no Brasil. Bebia-se outras coisas, mas nada significava o mesmo que um uisquinho, nada merecia tanto o diminutivo carinhoso. Uma das cenas engraçadas daquele documentário sobre o poeta que fizeram há alguns anos é a do Vinicius e do Tom escorando-se mutuamente e lamentando o que as mulheres tinham acabado de fazer com garrafas de uísque. Garrafas cheias, escondidas para que os dois não bebessem mais. A insensibilidade. A audácia. O ultraje!

Contavam que depois que os médicos proibiram o Rubem Braga – acho que era o Rubem Braga – de beber uísque, ele enchia um copo com gelo e ficava sacudindo ao lado da orelha, só para ouvir o barulho. O barulhinho. O afeto era tanto que o som do uísque dispensava o uísque. De certa maneira, toda aquela época foi vivida assim, com um copo de uísque sacudindo ao lado da orelha. Mesmo quando não havia o uísque, havia a trilha sonora.

A gente vê aquele filme com um certo ufanismo – que país talentoso, né? – e uma certa tristeza. Por quê? Pela perda do Vinicius, do Tom e de tanta gente que partiu, claro, mas não é só isso. O Chico, o Caetano, o Gil, o Edu, o Ivan e os outros continuam aí, cada vez melhores, a garotada (como se vê no filme) é muito boa, o que é que falta? Não deve ser o uísque. Com todo o seu simpático folclore, a cultura do uísque fez seus estragos em fígados e carreiras. Talvez sejam apenas os nossos 20 anos que também se foram. Ou então uma ideia de país que se perdeu.

A não ser que se quisesse enfrentar uísques de fundo de quintal – e algumas marcas nacionais eram mortais –, o uísque era uma bebida cara. O escocês legítimo era para quem podia, e eu decididamente não podia. Tomava Cuba Libre (Coca-Cola com rum, ou o que passava por rum). E tomava demais. Só não me tornei alcoólatra porque minhas ressacas eram tão catastróficas, que fui obrigado a escolher, acordar todos os domingos num inferno biliar, depois de um sábado de excessos, ou continuar vivo.

Quando finalmente tive condições de beber uísque bom, o uísque tinha saído de moda. Não ficou nem o barulhinho do gelo num copo vazio. E o que, no Brasil de hoje, merece um diminutivo carinhoso?


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