04 de julho de 2015 | N° 18214
CLÁUDIA LAITANO
Velhos amigos
Gilberto Gil e Caetano Veloso abriram na semana passada, em
Amsterdã, uma histórica turnê em comemoração aos 50 anos de carreira – o espetáculo
deve chegar a Porto Alegre no final do mês de agosto. Nos trechos do show já disponíveis
online, vemos os dois velhos amigos sentados lado a lado, banquinho e violão,
revisitando sucessos de um e de outro em versões delicadas e intimistas.
O show é apenas isso, o que já seria bastante, mas é muito
mais. A comemoração de um dos encontros mais importantes da história da música
popular brasileira é também a celebração de uma amizade de juventude que chega
sólida e renovada à velhice – a voz de um cobrindo os silêncios do outro, o
repertório de olhares que revela uma cumplicidade que dispensa roteiros ou
jogadas ensaiadas, o carinho e o cuidado em cada gesto. Uma amizade que se
renovou e reinventou ao longo dos anos – assim como suas longas e produtivas
carreiras, que, honrando o passado, jamais se tornaram reféns dele.
Nos últimos 50 anos, Gil e Caetano sempre estiveram próximos
do seu público. Houve épocas em que apareciam na televisão com mais frequência
e suas músicas tocavam mais no rádio, mas nunca sumiram de vista ou perderam a
relevância – da mesma forma como raramente frequentaram as listas dos discos
mais vendidos. Por caminhos distintos, Gil ingressando na política, Caetano
escrevendo, ambos acabaram ampliando seu poder de influência para além da
esfera musical.
Ao contrário dos artistas que fazem muito sucesso em pouco
tempo, que são como paixões avassaladoras e de difícil manutenção, os dois
baianos construíram um longo e estável casamento com o público, o que talvez
explique por que, mesmo longe das listas de mais vendidos, continuam se
manifestando e sendo ouvidos sobre todos os assuntos possíveis – da redução da
maioridade às novas estrelas do funk, da autorização prévia das biografias à Lei
Rouanet – como se representassem não apenas a eles próprios e suas obras, mas
uma determinada visão de mundo que sempre vale a pena levar em conta, mesmo
para discordar.
Reconhecidos pela crítica e pelo público, Gil e Caetano
fazem parte do que se pode chamar de cânone da MPB – aquilo que todos
concordamos que se tornou um patrimônio do país. Conquistaram esse status não
apenas pela explosão criativa do Tropicalismo e pelo que produziram nas últimas
cinco décadas, mas pelo papel que ocupam na história cultural do Brasil.
Artistas como eles, que conseguem sobreviver aos humores do
mercado e às oscilações da fama, porém, são uma minoria. Podemos debater quem é
mais famoso, quem vende mais, quem dialoga melhor com o público e quem está realmente
criando algo de novo e original, mas a disputa definitiva, na arte, é aquela
travada entre o que passa e o que permanece. A posteridade de um artista, ao
contrário do que muitos imaginam, não é definida pela devoção dos fãs, pela
conta bancária ou pelo número de seguidores no Twitter. Quem decide quem sai do
jogo e quem continua na disputa é um único jurado: a História.
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