sábado, 3 de março de 2012



04 de março de 2012 | N° 16998
ARTIGOS - Milton R. Medran Moreira*


Mecanismos humanos de Justiça

“Onde não há caridade, não pode haver justiça.”
Santo Agostinho

Um dos crimes de maior repercussão dos últimos anos, no país, acaba de ter seu julgamento finalizado, em instância inicial. O réu Lindemberg Fernandes Alves, de Santo André (SP), foi condenado a 98 anos de prisão pela morte da ex-namorada Eloá Cristina e por 11 outros crimes conexos, praticados em outubro de 2008, quando manteve a moça e mais três jovens em cárcere privado, por vários dias, em cenas mostradas ao vivo pela televisão.

Mesmo sabendo-se que, pela legislação brasileira, Lindemberg não poderá permanecer preso por mais de 30 anos, a opinião pública, a se julgar pelas ruidosas manifestações durante o júri e pelas repercussões na imprensa, parece ter se mostrado satisfeita com a aplicação da severa punição. Sempre que o Poder Judiciário responde eficazmente a crimes com esse grau de repercussão, a nação parece reacender a quase moribunda esperança da vitória sobre a criminalidade.

Teoricamente, um dos efeitos da pena reside no seu caráter intimidatório. Ademais, a maioria das pessoas se inclui no rol dos cidadãos ordeiros, respeitadores da lei, honestos e incapazes de tamanhas brutalidades. É normal, pois, que sonhem com uma sociedade pacífica, onde a sede e a fome de justiça que lhes vão na alma se saciem.

Mas, sejamos realistas, atentando para essas duas rea- lidades: 1ª) A atuação da Justiça criminal, no Brasil, não tem, na prática, inibido a criminalidade; 2ª) Mesmo quando modelarmente aplicada, a pena não alcança um de seus fins últimos, a partir de uma visão humanista, qual seja o de ressocializar o delinquente. Muitas razões concorrem para essas duas frustrantes realidades. Uma delas é a quase certeza da impunidade.

Diferentes pesquisas apontam que não mais que 10% dos homicídios praticados no Brasil têm seus responsáveis identificados. Roubos, sequestros, crimes sexuais violentos, de igual forma, acontecem aos milhares, sem que sejam sequer conhecidos seus autores. No campo dos “crimes do colarinho branco”, apesar de alguns avanços, a grande maioria dos culpados segue driblando a justiça, com respaldo em uma cultura elitista e protecionista.

Por outro lado, aqueles poucos que, como no caso Lindemberg, recebem a devida apenação, serão, a partir daí, quase que totalmente abandonados pelo Estado em infectas prisões, desprovidas de quaisquer condições minimamente humanas, sem mecanismos capazes de oferecer a reeducação pelo trabalho e pela recuperação da autoestima do condenado.

A partir de uma visão espiritualista/humanista, sabemos o quão importante é a aplicação de uma justiça pedagogicamente reparadora. Ante a delinquência, é compreensível que a sociedade reaja com postura meramente retributiva, própria de quem é vítima e que, por isso, ante a emoção, perde a isenção.

Ao Estado, entretanto, mais do que agir retributivamente, compete propiciar ao cidadão que delinquiu a conscientização do mal praticado, oportunizando-lhe reparar qualitativamente sua transgressão social.

Numa visão meramente religiosa, a tendência será a de relegar essas ações ao campo do que, comumente, se denomina “justiça divina”. É de se questionar, entretanto: não será, igualmente, da competência humana contribuir, aqui e agora, para, através de corretos mecanismos de Justiça, de Amor e de Caridade, reconduzir o espírito provisoriamente em erro a uma vida socialmente útil?

A propósito, reside justamente aí a conexão entre reencarnação e justiça, como valores que transcendem ao tecnicismo jurídico-filosófico.
*Advogado, jornalista, presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre

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