domingo, 2 de outubro de 2011


FERNANDO DE BARROS E SILVA

O dever de atazanar

SÃO PAULO - Fazemos, os jornalistas, uma espécie de rascunho instantâneo da história. Imersos no tumulto do mundo, submetidos às pressões do registro taquigráfico dos fatos, falta-nos a compreensão das coisas em perspectiva, o tempo necessário à reflexão.

Encarregados de informar, incorremos com frequência em erros, exageros, omissões. As colunas de opinião não estão imunes a esses riscos. Quem, além disso, entra na casa do leitor cinco vezes por semana nunca estará livre de dizer bobagens ou de cair em repetições.

Para um jornalista, no entanto, pior do que isso é não ter a capacidade de incomodar. Se ninguém reclama, há algo de errado.

Quando entrei na Folha, há mais de 23 anos, vivíamos os estertores do governo Sarney. O Brasil era uma espécie de chanchada. Hoje, é um país bem melhor. Mas não nos tornamos, nem de longe, uma sociedade decente.

Convivemos ainda com taxas intoleráveis de desigualdade, a saúde pública é desumana, as escolas públicas são muito ruins, a vida nas cidades é violenta e insegura. O patrimonialismo, tantas vezes reciclado, persiste como traço definidor da política em todos os níveis.

Seria tolo, ao mesmo tempo, não reconhecer que os governos de FHC e Lula -o professor e o líder operário- representaram, somados, um grande avanço histórico, ainda em curso.

Perceber isso não significa abrir mão da convicção de que o jornalismo só vale a pena se for exercido com disposição crítica e independência, que só se aproxima de seu melhor papel se interpelar os poderes, em qualquer circunstância, sem nunca deixar de questionar a si próprio. Tenho em Otavio Frias Filho o maior exemplo de que isso é possível.

Ao longo dos últimos dois anos, escrevi 484 vezes neste espaço. Foi, talvez, a experiência intelectual mais prazerosa da minha trajetória na Folha. Mas chegou o momento profissional de me despedir. A quem me acompanhou, muito obrigado.

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