terça-feira, 4 de outubro de 2011



04 de outubro de 2011 | N° 16846
DAVID COIMBRA


Preso no fundo do poço

Lá estavam eles, 41 homens encurralados em um poço escuro, à espera da morte. Eram o comandante Yosef e seus 40 soldados, integrantes de um dos pelotões hebreus rebeldes que lutavam contra o domínio de Roma no ano 67. Haviam sido derrotados pelos legionários, esconderam-se em uma cisterna e agora, depois de descobertos, tomaram a dura decisão: matar-se-iam uns aos outros, numa espécie de suicídio coletivo assistido. Resolveram executar-se de três em três.

E o que se sucedeu foi terrível e sensacional, uma intrigante questão humana e matemática. Os três primeiros guerreiros escolhidos para morrer se apresentaram e foram estrangulados por três companheiros. Que, a seguir, foram estrangulados por outros três, e assim por diante, até que sobraram apenas dois, um deles sendo o comandante Yosef. E agora?

Um teria de estrangular o outro e, em seguida, se matar. Quem seria estrangulado e quem seria o estrangulador? Yosef ponderou a respeito e sugeriu ao colega não fazer nem uma coisa, nem outra. Que tal viverem ambos, entregando-se aos romanos? O outro, prudentemente, achou boa a ideia. Apresentaram-se aos vencedores e continuaram respirando alegremente.

Do soldado não sei o que foi feito, mas de Yosef sim. Mandaram-no para Roma, onde não viveu como cativo, mas como o filho de sacerdote judeu que era. Os romanos, provando sua magnanimidade, deram polimento a sua educação, arranjaram-lhe trabalho e um novo nome:

Yosef transformou-se em Josefo, acoplado a Flávio, nome de seu protetor, o césar Flávio Vespasiano. Surgiu, assim, o famoso historiador Flávio Josefo, autor de obras de referência sobre os judeus da Antiguidade e o mundo do século I.

Os hebreus não gostavam muito de Josefo. Afinal, ele não apenas não cumpriu o último trato feito com seus companheiros de armas como aderiu com entusiasmo ao conquistador romano. No entanto, muito do que ele contou em seus livros foi confirmado mais tarde pela moderna arqueologia, e Josefo se tornou um historiador de credibilidade no Ocidente de seus pósteros.

Conto tudo isso a fim de valer-me de uma passagem do livro de Josefo que relata a história do povo hebreu. É o capítulo que trata de um dos patriarcas de Israel, Jacó, e sua família. Escreve Josefo:

“A prosperidade com que Deus favorecia Jacó era tão grande que nenhum outro país o igualava em riquezas. E as excelentes qualidades de seus filhos não somente o tornavam feliz, mas também considerado por todos. Eles não tinham menos espírito que sabedoria e coração, e nada lhes faltava do que os pudesse tornar estimados”.

Jacó e os seus, portanto, eram ricos e felizes. Mais: os filhos de Jacó foram descritos como homens dotados de “espírito, sabedoria e coração”. Mesmo assim, um dos 12 filhos acabaria sofrendo os efeitos da inveja dos demais. José era considerado pelos irmãos como o queridinho do papai, o que lhes dava muita raiva. Tanto que resolveram matá-lo.

No entanto, o irmão mais velho, Rubem, compadeceu-se de José e tentou demover os outros a cometer tal desatino. Não adiantou, eles insistiam em dar cabo do irmão. Rubem, então, os convenceu a atirar José em uma cisterna semelhante àquela em que ficou Yosef e seus infelizes companheiros, para que morresse de fome e eles não tivessem suas mãos manchadas de sangue.

Os irmãos concordaram. A ideia de Rubem era voltar mais tarde e salvar José, mas, antes que ele fizesse isso, os 10 irmãos malvados o venderam a mercadores de escravos.

A história segue, e vai longe, mas o que interessa é o que resta aqui: os filhos de Jacó viviam bem e em prosperidade, eram admirados e amados.

E isso não lhes bastava.

Por quê? Só porque um deles era mais admirado e amado do que os outros.

As pessoas não se contentam com o próprio bem-estar; têm sempre de comparar com o bem-estar do próximo. Essa emulação incessante até pode ser positiva: um clube constrói um estádio, o rival vai lá e constrói um melhor e maior; um time conquista um título, o rival não para de lutar até conquistar também. Isso não é necessariamente ruim.

Foi, inclusive, o que erigiu a grandeza da dupla Gre-Nal. Mas quando um rival tenta sabotar o outro, aí é como os irmãos de José metendo-o no fundo de um poço e vendendo-o como escravo.

A dupla Gre-Nal, a despeito da rivalidade mais que centenária, vai ter de se unir para enfrentar os clubes de Rio e SP, ou ficará muito para trás, ou ficará na periferia. Até a mais acerba rivalidade tem de se dobrar ao apelo da razão.

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