sábado, 1 de outubro de 2011



01 de outubro de 2011 | N° 16843
NILSON SOUZA


O primeiro voo

Os sabiás fizeram ninho novamente na entrada da minha garagem. Tem lá uma planta, tipo trepadeira, que oculta bem o refúgio dos pássaros e o mantém protegido da chuva. Outro dia, disfarçadamente, dei uma espiada e vi que tem três ovinhos.

Não é a primeira vez que sou contemplado, na porta de casa, com esse doce espetáculo da vida. Em outra primavera, dois ou três anos atrás, um desses casais alados já fez o mesmo e no mesmo lugar. Só falta serem os mesmos.

Na época, acompanhei tudo com encanto e decepção. Sim, no final, fiquei um tanto decepcionado. Já explico por quê. Pulo aquela parte da cantoria, que começa às 4 da manhã e, segundo li, indica o ritual do noivado. Sei que tem gente que se incomoda, mas – assim como o meu amigo Moisés Mendes, que todo ano aguarda ansioso a primeira sinfonia da família dos laranjeiras – gosto de acordar com a melodia arrastada dos cantadores da zona sul da Capital.

Depois do acasalamento, eles trabalham muito, passam o dia inteiro levando galhinhos e folhinhas no bico até o local escolhido para a morada. Aí, a fêmea faz a sua parte e, cerca de duas semanas depois, os bichinhos já estão de bico aberto, exigindo mais uma vez intensa atividade dos pais atrás de minhocas e frutinhas. Mais um mês e, ponto culminante do show, os pássaros adultos estimulam os filhotes ao primeiro voo.

É muito interessante de se ver. Os bichos hesitam em deixar o ninho, mas os pais procuram atraí-los para fora, gritam com eles na língua dos pássaros amorosos, voam nas proximidades, fazem um verdadeiro escarcéu até que o primeiro se atira, todo descoordenado, estatelando-se nas proximidades.

Em seguida, tenta alçar voo novamente, cai, vai de novo, até que consegue ficar no ar alguns segundos. Logo saem o segundo e o terceiro, na mesma balada destrambelhada, até que todos começam a dar voos mais longos e mais seguros.

E ninguém volta mais para o ninho.

Fiquei decepcionado ao constatar isso. Como assim? Passam tanto trabalho construindo um ninho seguro, confortável, e já na primeira saída vão passar a noite fora, provavelmente expostos aos perigos da rua? Minha mulher, que é de origem interiorana, riu da minha ingenuidade.

Agora já sei como será. Ainda assim, estou curioso para acompanhar o primeiro voo da minha segunda ninhada. Como observador distante e discreto, ficarei atento para que não se metam em alguma encrenca, do tipo aterrissar no meio de uma pilha de tijolos.

Depois, como ocorre com os nossos adolescentes quando saem de casa sozinhos, só resta rezar para que o Anjo da Guarda dos Sabiás os proteja até a próxima primavera.

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