Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 1 de outubro de 2011
01 de outubro de 2011 | N° 16843
DAVID COIMBRA
O idiota da família
Durante toda a década de 60 Sartre dedicou-se a escrever a biografia definitiva de Flaubert. Redigiu mais de duas mil páginas, mas não chegou a concluir a obra. Ainda assim, no começo dos anos 70, lançou o livro dividido em três robustos tomos sob o título “O idiota da família”. Tentei encontrar esse livro traduzido para o português e não consegui.
Não existe nem em português de Portugal, pelo que apurei, e a única pessoa que conheço que o tenha lido parcialmente é o meu amigo José Antônio Pinheiro Machado, e o fez no original, em francês.
O idiota da família, no caso, é o próprio Flaubert. Quando menino, seus pais o tratavam com um imbecil. Faziam-no acreditar que era um imbecil. Na biografia, Sartre teria deduzido que muitas das características da personalidade de Flaubert se deviam ao desamor que a mãe nutria por ele, o que não é de se surpreender.
Outro que sofreu com a falta de afeto da mãe foi o filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Não que Johanna, a mãe dele, o desprezasse, como desprezado era Flaubert. Não chegava a tanto. Mas Johanna tratava o filho como se ela fosse um pai de então, o começo do século 19.
Quer dizer: não lhe tinha condescendência. Dava-lhe liberdade, criticava-o e até o orientava, mas jamais o consolava. E é isso que mais toca um filho na figura da mãe: ela o consola sempre, em qualquer situação, com seu amor incondicional.
Aquela singela canção que Roberto Carlos compôs para sua mãe, em sua candura, aquela canção diz precisamente isso. De nada mais fala a letra da música a não ser do consolo que a mãe presta ao filho. Roberto diz que na hora do desespero queria gritar pela mãe, como gritam os soldados feridos no campo de batalha.
Diz que queria ouvi-la a aconselhá-lo: “Aproveite o seu tempo, você ainda é um menino”. E, finalmente, implora, comoventemente: “Me leve pra casa! Me abrace forte! Me conte uma história! Me faça dormir!”
Tão simples e tão verdadeiro. Ali está expresso o principal sentimento que um filho tem por uma mãe. Ali está expressa a necessidade que tem uma pessoa, qualquer pessoa, de saber que em algum lugar do mundo existe alguém que a acalenta sem nunca nada questionar.
O mesmo Schopenhauer, a quem me referi, escreveu que um dia se espantou ao descobrir que as pessoas acreditam que exista, fora delas, um ser que as ama e que cuida delas. Este “ser”, evidentemente, é um deus. Mas o deus só existe se, primordialmente, na infância, a criança se sentiu amada e protegida. Eis o papel da mãe tradicional.
É claro que o pai tradicional tem um papel semelhante, embora um pouco diferente. É dele o papel da proteção, sim, mas também o da orientação e da disciplina. Eventualmente, o da punição. E aí, unindo-se as duas figuras, a consoladora e a punidora, está pronta a imagem do deus.
O deus, qualquer deus, não está fora das pessoas. Está dentro delas. A autoconfiança e a segurança com que uma pessoa encara a vida, a consciência, ainda que ilógica, de que algo fora dela passa os dias velando por ela, isso tudo vem da infância, da forma como o pai e a mãe trataram a pessoa na infância.
Estou, é claro, generalizando e reduzindo as figuras do pai e da mãe às figuras tradicionais do pai e da mãe, como já disse. Essa segurança e essa confiança podem ser dadas por um deles apenas, ou por um tio, um avô, uma madrasta. Tanto faz, desde que a criança receba essa dádiva.
É o que falta a muitos desses meninos de rua brasileiros. Não existe para eles o consolo amoroso da mãe ou a proteção enérgica do pai. Eles crescem tortos, como cresceram Flaubert e Schopenhauer. O problema é que nem todo mundo é um Flaubert ou um Schopenhauer. Nem todo mundo pode ser poeta ou filósofo.
Nem todo mundo pode ser, da mesma forma, jogador de futebol profissional. Não é fácil ser jogador de futebol profissional. Menos fácil ainda é ser jogador da Seleção Brasileira. Mário Fernandes, mal saído da meninice, conseguiu essas façanhas. Quase abdicou de uma no início da carreira, ao fugir do Grêmio. Abdicou de outra agora, ao pedir para ser desconvocado da Seleção. Arrisco a dizer que lhe faltou a figura do pai nesse momento.
Alguém acima e fora dele, que lhe servisse de consciência, que lhe desse orientação. Uma voz forte que lhe dissesse, como um deus, o que é certo e, sobretudo, o que é errado. Porque às vezes um homem só precisa disso: que alguém lhe diga o que fazer.
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