quinta-feira, 3 de julho de 2008



SOBRE A LEI SECA

É incrível como o brasileiro pode ser cínico e duvidar de coisas sagradas.

Por exemplo, da lei. Conheço gente que, embora apoiando a Lei Seca para quem vai dirigir, garante estar sentindo o cheiro de que ela não vai pegar.

É um cheiro de álcool. Há quem duvide até da idoneidade dos nossos policiais e jure que vai ter guarda fazendo plantão em porta de boate com uma pergunta na ponta do bafômetro: 'Com nota ou sem nota?'.

Os mais explícitos dirão, segundo essas más línguas, 'prefere pagar R$ 900 ou 50 pilas?'. Não creio que funcione assim. Deve ser mais sutil.

Esse pessoal cético acha que de noite todos os gatos são pardos e bêbados, o que facilitaria um entendimento com base no toma-lá-dá-cá ou no toma-lá-e-dá-aqui. Se bebeu, cara, tem que pagar.

Se a lei realmente for aplicada, pensem bem, todos os problemas do Estado estarão resolvidos. Basta colocar um fiscal na frente de cada bar, boate, restaurante e bordel. A coleta de dinheiro será extraordinária.

Além disso, não haverá mais desemprego. Será necessário um verdadeiro exército de controladores. Dizem que já funcionou em outros países. O princípio é bom.

Tem especialista afirmando que o importante não é o controle de cada motorista, mas a punição prevista em caso de acidentes graves. Em conseqüência, haverá um efeito dissuasivo, sem contar a possibilidade de punir realmente os infratores.

O problema, contudo, são os efeitos perversos: indústria da multa e corrupção. Dos males, sustentam alguns, o menor. É comum ouvir motoristas bradar contra a indústria da multa. Quando perguntados, porém, se cometeram as infrações, não têm como negar.
A vida, enfim, está ficando organizada.

O sujeito vai ao bar, mas não bebe nem fuma. No restaurante, come salada e evita alimentos gordurosos. Parece que o principal efeito da nova lei será o incentivo às festas em casa. Um retorno à família. Só que o anfitrião terá de aceitar que muitos convidados fiquem para dormir.

Claro que tudo isso é bom para os táxis. Os mais otimistas garantem que essa lei obrigará o Brasil a investir em metrôs. É o único jeito de transportar em segurança todos os bêbados de cada noite.

Outra hipótese é de uma influência sobre os casamentos, com o crescimento do número dos casais em que só um saberá dirigir.

Talvez, sem querer, o Brasil esteja descobrindo a solução para os engarrafamentos. Não, não dá para se entusiasmar, os engarrafamentos noturnos ainda são bastante raros.

Certos casais vão usar um sistema de rodízio. Um dia, bebe a mulher, no outro, bebe o marido.

No caso de um deles ser abstêmio, o outro terá mais chances de virar alcoólatra. Todos podem imaginar a cena: o marido bebendo todas, e a mulher, pacientemente, esperando para levá-lo para casa.

O contrário também pode ser imaginado. Difícil é crer que aconteça. Sem dúvida, essa lei vai contribuir para melhorar a parceria entre marido e mulher. Eu sou totalmente a favor dessa lei.

Já era a favor da proibição da venda de bebidas alcoólicas em estádios de futebol. Não tem outro jeito. Tenho todas as razões para ser favorável a esse tipo de legislação. Defendo a vida. Sem contar que não sei dirigir. Nem pretendo aprender.

Carro é um trambolho: tem o estacionamento, há sempre um ladrão de olho, taxas, tem de levar no mecânico, passa-se a vida trocando e pagando o carro. Pensando bem, a partir de agora, a vantagem de ter carro é não poder beber.

juremir@correiodopovo.com.br

Ainda que com chuva que seja uma excelente quinta-feira para todos nós.

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