terça-feira, 1 de julho de 2008



O PAPA EM MELO

Nunca coma uma pizza mafiosa antes de ver um filme, no Guion, sobre viagens de um Papa. Tudo fica um tanto confuso. Corre-se o risco de uma interpretação materialista ou de gosto picante. Depois de assistir a 'O Banheiro do Papa', que conta a viagem de João Paulo II a Melo, no Uruguai, fiquei com indigestão.

É o tipo de filme que eu gosto: pobre, simples, autocomplacente e verdadeiro até a raiz. Afinal, pelo amor de Deus, o que foi fazer João Paulo II em Melo? Está certo que ele gostava, conforme o marketing papal, de ver-se como um viajante, mas também não precisava exagerar. Não que eu tenha algo contra Melo.

Ao contrário. Fiquei com inveja. O Papa devia ter ido a Rivera e Santana do Livramento. Certamente haveria mais gente para vê-lo.

Em Melo, em 1988, não passaram de 8 mil, sendo apenas 400 brasileiros. O mais impressionante foi o número de jornalistas credenciados: 300. Um jornalista para cada 26,8 curiosos. O sensacionalismo correu solto e faceiro.

A passagem do Papa por Melo não melhorou a vida de ninguém. Os pobres do lugar sonharam com alguma melhoria e investiram o que tinham e não tinham para atender aos visitantes, especialmente os brasileiros, que deveriam tornar a cidade um formigueiro.

Acontece que o pessoal da fronteira adora dizer 'se Deus quiser' e 'Graças a Deus' todo tempo, mas só vai mesmo a missa de sétimo dia ou a batizado.

O filme conta a história de um 'sacoleiro' que resolveu fazer um banheiro para prestar serviços higiênicos aos visitantes. O fracasso foi absoluto. Faltou gente. Ninguém fez sequer xixi.

O filme é singelo e comovente. Desses que dificilmente ganharão um Oscar. É filme de pobre sobre pobre e com pena dos pobres. Não tem sequer uma história de amor ou uma gostosa para dar um tom de espetáculo à trama. Feio é feio nesse filme.

O Papa devia ter demitido todos os seus assessores depois do fiasco de Melo. Além disso, devia ter encomendado um estudo sobre uma possível crise de fé na fronteira do Uruguai com o Brasil. Salvo se aqueles miseráveis foram castigados por ter desejado faturar uns trocos com a visita de Sua Santidade.

Perderam dinheiro. Houve encalhe de lingüiça e de pastel. João Paulo II ficou exposto ao ridículo. Saudou os trabalhadores do lugar, enquanto a barriga de muitos deles roncava pela falta de emprego.

Os diretores, no entanto, não parecem ter pretendido culpar a religião ou o Papa pelas desventuras dos pobres de Melo. O problema é a mídia. A televisão previu um paraíso sem apresentar qualquer fonte com alguma credibilidade. Desprezou a menor tentativa de descrença no quadro idílico descrito por antecipação.

'O Banheiro do Papa' já ganhou prêmio. No Brasil, contudo, nunca fará um sucesso colossal. Para a massa, é pouco atraente, excessivamente crítico e rabugento, sem uma boa estética de novela. Sem atriz de televisão ou de Hollywood para encantar os olhos e simular o pecado com alguma folha de parreira.

Se ao menos fosse ambientado na fronteira do México com os Estados Unidos! Para a elite, ao contrário, é claro demais, direto, sem trocadilhos nem teses artísticas esotéricas. Ao final, o espectador menos sensível fica com duas perguntas metafísicas na cabeça:

Deus existe mesmo? O Papa realmente foi a Melo? Deve existir resposta segura para, ao menos, uma delas. Tudo isso por causa de uma pizza mafiosa. E da mídia.

juremir@correiodopovo.com.br - Ainda que com muita névoa e cerração que tenhamos todos uma ótima terça-feira

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