sexta-feira, 11 de julho de 2008



11 de julho de 2008
N° 15659 - David Coimbra


O amor

Vou dizer agora qual é o problema do Brasil.

O problema do Brasil não é dinheiro. O Brasil é rico, cada vez mais rico, e tem recursos naturais que podem torná-lo ainda mais rico.

Verdade que a corrupção consome parte do dinheiro do nababesco Estado brasileiro, dinheiro extraído do oprimido contribuinte brasileiro, mas o problema do Brasil nem é tanto a corrupção.

A corrupção seria suportável, se o dinheiro que restasse de comissões, desvios e propinas fosse aplicado com competência em saúde, educação e segurança.

Agora: que não se pense, por isso, que o problema do Brasil seja a incompetência. Não é. É outro ainda, porque há muita gente competente por aqui.

O problema do Brasil tampouco é o desemprego. Hoje em dia existe emprego de sobra, as vagas só não são ocupadas porque não há gente qualificada para preenchê-las.

O problema do Brasil também não é agrário, mesmo que haja injustiça na distribuição de terras. Para se ter idéia: a produção de grãos brasileira, o tal recorde de142 milhões de toneladas, brota de 50 milhões de hectares plantados.

Os 500 mil índios do Brasil vivem em quase 120 milhões de hectares. E os assentamentos feitos pelo Incra se elevam a 70 milhões de hectares.

Então, não nos falta terra nem para dar.

O problema do Brasil, o grande problema do Brasil, não é nenhum desses relacionados acima, embora haja problemas em todas essas áreas, e nem sempre irrelevantes.

O problema do Brasil é o amor.

Já fiz várias visitas à Fase, a ex-Febem, para fazer palestras. Aqueles meninos todos lá internados, não sei o percentual exato, mas vou arriscar: 90% deles não têm bom relacionamento com o pai, ou simplesmente não têm relacionamento algum com ele, ou sequer o conhece.

Vou arriscar de novo: se eles tivessem pai e mãe atentos, não necessariamente juntos, mas atentos e cuidadosos, se os tivessem, não estariam na Fase.

Eles estão na Fase porque, lentamente, ou talvez nem tanto, a família se deteriorou no Brasil. Uma família deteriorada significa filhos que não recebem amor, e ninguém pode dar o que não recebeu. O que não tem.

Os filhos desamados do Brasil não têm amor para dar aos outros, nem à cidade em que vivem, nem ao Estado a que eventualmente sirvam.

O afeto, os sentimentos, a ética, o amor, enfim, nada que seja subjetivo e imaterial é um real valor para os filhos desamados do Brasil. No Brasil, para grande parte dos brasileiros, o maior valor, e não raro o único valor, é o dinheiro. E quem tem o dinheiro entre seus principais valores não tem valor algum.

É por isso, pela falta de valores, pela falta de amor, que acontece o que aconteceu dias atrás no Rio.

Os policiais que atiraram no carro estacionado ao meio-fio, matando um menino de três anos, não tinham nenhum apreço pela vida dos supostos bandidos que caçavam e que deveriam estar dentro do carro.

É por isso, também, que há no país escândalos de corrupção de um bilhão de dólares, como esse de Dantas et caterva - quem toma o dinheiro público, toma o dinheiro "dos outros", e quem se importa com os outros?

Porque não existe diferença entre o assassinato cometido na periferia e o bilhão roubado de Brasília - ambos são produtos da ausência de valores. Produto do amor ao dinheiro. Que é o mesmo que desamor.

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