quinta-feira, 10 de julho de 2008



10 de julho de 2008
N° 15658 - Paulo Sant'ana


Outro menino do Rio

O metralhamento de um menino de três anos, dentro do carro de sua mãe, por dois policiais militares, no Rio de Janeiro, vem provocando protestos em todo o país.

Foi realmente um excesso bárbaro. Mesmo que a película dos vidros do carro da mãe do garoto metralhado fosse escura, não justifica que os policiais não tivessem tido a prudência de verificar se eram bandidos que tripulavam o carro, e não, como aconteceu, estarem uma mãe e duas crianças dentro. Nem que se atirassem àquela fuzilaria irresponsável.

Doeu, além de tudo, o depoimento veemente e lamentoso do pai do garoto morto.

E o caso suscita um remorso geral e uma crítica nacional ao modo como as polícias estão abordando cidadãos nas ruas e operando em tiroteios urbanos.

A respeito disso, prestei muita atenção e dei muito crédito ao depoimento do senhor Ricardo Balestreri, secretário nacional de Segurança Pública, no programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, ontem, especialmente no trecho em que ele se refere às assustadoras execuções que vêm ocorrendo em várias capitais brasileiras, entre elas a região da Grande Porto Alegre, onde vêm se sucedendo aterrorizantes chacinas.

E também pela forma de essa autoridade encarar o sentimento popular de revolta pelo massacre do garoto.

A seguir, o trecho da entrevista que me impressionou.

Pergunta de Rosane de Oliveira: "De que forma a Secretaria Nacional de Segurança Pública pode ajudar os Estados a preparar melhor os seus policiais e evitar barbaridades como essa que ocorreu no Rio e que ocorrem com muito mais freqüência do que se imagina.

Este caso teve maior repercussão porque envolve uma criança, mas acontece com freqüência com inocentes".

Resposta de Balestreri: "O que você disse é uma verdade. Sempre que ocorre uma tragédia dessas, nós vemos as pessoas todas muito chocadas, mas não lembramos que no Brasil existe pena de morte de fato. Não existe pena de morte de direito, mas de fato existe.

As execuções extrajudiciais estão ocorrendo a todo momento no Brasil. O que significa isso? Significa uma cultura de guerra, onde nós acabamos convencendo a nossa polícia de que ela sai para enfrentamento de guerra com os criminosos e neste tipo de enfrentamento vale tudo.

Então, quando você pega este caso, evidentemente a postura (policial) está tecnicamente equivocada. Você não metralha um carro, nem parado nem andando, sem ver quem está dentro, sem que quem está dentro reaja.

É importante que a gente coloque a questão pelo ângulo de uma certa hipocrisia da sociedade. Como neste caso a tragédia atingiu uma criança de três anos, todo mundo ficou horrorizado. Mas vamos supor que dentro do carro não estivesse uma família, com um menino de três anos.

Que ali estivessem, por exemplo, três jovens, pobres, sexo masculino, negros. Se eles tivessem sido mortos por esta fuzilaria, muito provavelmente os preconceitos da sociedade dariam por pressuposto o fato de que eles fossem criminosos.

Muito provavelmente as explicações oficiais seriam de que eles foram mortos em combate com a polícia. Muito possivelmente em alguns casos, isso não é só no Rio, é no país inteiro, muito possivelmente apareceria ali algum papelote de cocaína, apareceria uma arma com a numeração raspada, e esses meninos virariam uma estatística.

Muito possivelmente teria ali uma mãe, ou algumas mães, dizendo que os filhos eram trabalhadores, que tinham carteira assinada, mas iam ter que passar o resto da vida tentando provar a honestidade dos filhos, que, além de mortos, seriam enxovalhados.

Então é por isso que eu digo que existe pena de morte de fato neste país, quando nós temos esta política de guerra, onde vale tudo, e de execuções extrajudiciais".

Agora, a opinião deste colunista sobre esse deplorável fato. Nada justificava o metralhamento do carro e o homicídio do garoto.

Foi uma total demonstração de falta de preparo dos policiais. Eles só podiam ter atirado contra o carro para atingir pessoas que estivessem dentro se de dentro do carro houvessem partido disparos - ou se uma porta se abrisse com alguém armado e em vias de atacar.

O certo era cercar o carro, solicitar que os ocupantes saíssem com as mãos para cima e só haver reação policial na hipótese de legítima defesa.

Ficou caracterizado, no caso, o homicídio culposo, por imperícia e imprudência, no mínimo, havendo chance de ter-se caracterizado o delito mais grave de os policiais terem assumido o risco de produzir a morte da criança.

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