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sábado, 5 de julho de 2008
05 de julho de 2008
N° 15653 - Moacyr Scliar
Meningite e democracia
Há trinta e cinco anos, o RS e o Brasil começavam a viver um dos mais sombrios e mais instrutivos episódios da história recente da saúde pública em nosso país.
Em 1973, tinha início uma epidemia de doença meningocócica, que chegaria ao auge em 1974, e se manifestaria em várias grandes cidades brasileiras, deixando a população em pânico. Estamos falando de uma doença causada por uma bactéria, o meningococo, que provoca uma inflamação nas meninges, membranas que envolvem o cérebro.
Pode ocorrer infecção generalizada, levando em muitos casos ao óbito. O tratamento, que se baseia principalmente no uso de antibióticos, já estava obviamente disponível, mas ainda não existia, no Brasil, uma vacina suficientemente testada. Isso explica o alarme que a doença despertava.
Claro, muitas outras doenças infecciosas eram então causa de óbito, como a diarréia infantil, que matava milhares de bebês todos os anos. Mas a diarréia infantil não era novidade e era, sobretudo, uma doença de pobre, ao passo que a meningite não respeitava barreiras sociais e acometia muitas crianças de classe média, um processo facilitado pela crescente urbanização do país.
O Brasil estava então sob regime autoritário. Ao constatar que a doença não estava sendo controlada, que informações alarmantes apareciam todo o dia na mídia e que muita gente chegava ao desespero, uma decisão extrema foi tomada: proibiu-se a divulgação de notícias sobre a epidemia. E com isso tivemos uma experiência digna de figurar nos manuais de saúde pública.
A idéia das autoridades é que, com a censura imposta à imprensa, a calma voltaria às famílias. Aconteceu justamente o contrário. A ausência de informação gerou os mais descontrolados boatos. Um deles dizia respeito à transmissão da enfermidade.
A doença meningocócica não é contagiosa: durante as epidemias a maior parte das pessoas abriga o germe na garganta, sem disso ter sintomas. Em alguns casos o meningococo penetrará na corrente sangüínea e causará a meningite ou outros problemas. Como as pessoas não sabiam disso - porque não se podia falar a respeito - ninguém se aproximava dos doentes.
Num colégio de Porto Alegre estava sendo velado o corpo de um aluno falecido de meningite. Ninguém sequer se aproximava do caixão, por medo do contágio.
Finalmente, com a introdução da vacina (e também porque as epidemias naturalmente declinam) o pânico foi desaparecendo.
Mas a lição ficou. A lição política, mostrando que a pior democracia é melhor do que a melhor ditadura, e a lição de saúde pública. "A verdade vos libertará", dizem os Evangelhos, e isto vale também para a doença.
A verdade, nestes casos, nos liberta dos temores e nos sugere o caminho para que tomemos medidas úteis, não baseadas no pavor.
Em época de epidemia já basta o sofrimento causado pela própria doença. Não precisamos acrescentar a este sofrimento a pesada carga dos temores.
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