Amores disfarçados de amizade
Eu me ponho a matutar: será que é verdade? Se você está acostumado com a ideia do amor romântico - um amor sofrido, angustiado, obcecado, em que se quer fazer tudo junto -, você não é capaz de notar quando a afeição autêntica surge em sua frente. Seu olhar se aliena, condicionado a uma viseira de expectativas e sensações predeterminadas.
Não é possível reconhecer um amor manso, calmo, compreensivo. Vai assimilar que aquilo é amizade, não amor.
Quantos amores passaram pela sua vida disfarçados de amizade? Aquela pessoa dava colo, aquela pessoa ouvia até o fim, aquela pessoa era parceira de dança, de balada, das conversas do bar, aquela pessoa incentivava as suas iniciativas, aquela pessoa ria das suas piadas, aquela pessoa entendia as suas loucuras a ponto de não rotulá-las, mas você pensava que era só um amigo.
Como não padecia dos sintomas românticos, julgava que não havia química. Nem se arriscou a investir, a explorar a cumplicidade para um compromisso.
Seguia uma bula, concebia estar amando como não ter fôlego, morrer de saudade, permanecer aflito por uma mensagem, amaldiçoar a distância, atravessar crises de ciúme. Assim confundiu o placebo com a vacina. Tão ocupado em perseguir uma idealização, deixou de amar quem realmente merecia, quem o destino disponibilizou em seu caminho para fornecer clareza e discernimento.
Você simplesmente não permitiu ao amor crescer de uma forma que você não conhecia, misteriosa, feita de paz, de suavidade, de concordância, de respeito ao seu espaço. Esperava borboletas no estômago, e elas estavam espalhadas pelo seu jardim. Esperava perder a cabeça, a razão, o chão, e vinha alguém devolvendo sua cabeça, sua razão, seu chão.
Esperava um tormento, um redemoinho apertando a sua rotina, e havia a leveza de alguém que não sufocava, não implicava, não explodia e, mesmo sem passionalidade nenhuma, demonstrava que você era a presença mais importante do universo.
Quantos romances foram cortados pela raiz, pois não se assemelhavam aos romances de antes?
Você esquecia que as suas experiências pregressas apenas causaram aborrecimentos, e aquela, pelo contrário, era benéfica. Então, não confiava. Não admitia que flechadas no coração pudessem não sangrar.
Negou-se a experimentar uma combinação diferente, não foi a fundo, estabeleceu um limite prévio para a intimidade. Quando está habituado a sofrer, você interpreta equivocadamente a sua saúde emocional como monotonia.
Acha que o contato carece de taquicardia, de adrenalina, de ansiedade, do extremo da preocupação. Parece dizer a si mesmo: é muito sossego para ser forte, é muita convergência para ser atração. Não havia o monopólio, a disponibilidade integral, a fixação, e estranhou a expansiva liberdade.
Não se mostrava tensionado, sem saber se a pessoa voltaria no dia seguinte. Não existia desespero e chantagem, não precisava correr atrás ou mendigar atenção, e acreditou que não sentia nada demais.
Não raciocinou por um minuto que amor bom é o da confiança: você não tem medo de perder o outro porque o outro já faz parte de você. Quando há tranquilidade, você finalmente encontra o encaixe de dois inteiros. Não é mais metade de ninguém. _
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