02 DE SETEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
Confissões de um bebedor
Me deu vontade de tomar licor. E, quando falo que "deu vontade", falo de uma vontade sistemática, não de uma que será satisfeita com um copinho ou dois de Amaretto del Orso. Isso significa que passarei semanas bebendo licor, até enjoar.
Com bebidas sou assim, de fases. Uma época, era bebedor de vodca - a juventude, você sabe como é. Estávamos nos anos 80, e eu morava em Criciúma. Minha amiga Lenir Gomes, repórter do jornal O Estado, fez aniversário e me convidou. Quando cheguei ao seu apartamento, ela me conduziu ao freezer e de lá tirou uma garrafa de Absolut, anunciando:
- Essa é só tua.
Em seguida, dirigiu-se aos demais convidados, em voz alta:
- Pessoal, ninguém tome dessa garrafa! Ela é exclusiva do David.
Aquela deferência me emocionou. Enquanto a festa corria, volta e meia ia ao freezer, pescava a minha amada garrafa e me servia de vodca geladinha. O bom bebedor de vodca a consome assim: pura e geladíssima, a garrafa deve estar branquinha de frio. Bem. Confesso, neste momento, um pouco envergonhado, que ingeri todo o conteúdo da garrafa naquela noite. Na manhã seguinte, porém, acordei me sentindo íntegro e feliz. A vodca era de boa qualidade, e eu, como já disse, era jovem.
Há algo sobre as vodcas: dizem que elas perfumam o hálito. Você pode beber uma garrafa inteira, como fiz no aniversário da Lenir, que não afugentará os ouvintes ao falar palavras com efe. Isso é um estímulo para quem planeja terminar a noite com um romance, como algumas vezes foi meu caso, em priscas eras.
Mas essa minha fase russa durou pouco. Por algum motivo, me fartei das vodcas e passei a beber vinhos. Até que, certo sábado, nós, os jornalistas da cidade, fomos em álacre excursão para a propriedade de um produtor de vinhos de Urussanga, a 20 quilômetros de distância. Ele queria apresentar seus novos vinhos para a imprensa da região. Foi um encontro animado. O problema é que chegamos lá por volta das nove da manhã. Ele nos guiava por entre os parreirais, mostrava-nos as uvas e tal e, de tempos em tempos, parava e nos oferecia pequenos cálices de vinho. Eu não ia fazer desfeita: aceitava todos e a todos bebia. No momento em que foi servido o almoço, por volta da uma da tarde, já me encontrava em estado lamentável. Passamos o dia todo bebendo vinho. Voltamos para casa ao anoitecer. Dessa feita, meu corpo não reagiu com o denodo que demonstrou com a vodca da Lenir. Ao contrário: os três dias posteriores foram de intenso sofrimento. Achei que nunca mais ia ficar bom. Quando finalmente sarei, peguei aversão a vinho. Podiam me servir um Petrus Pomerol, que não beberia. Só de ver a garrafa o meu estômago já fazia blorp. Fiquei sem beber vinho por dois anos.
As cervejas nunca me trouxeram esses dissabores, sobretudo os chopes dourados e cremosos e gelados. Assim, sou um fiel bebedor de chope, mas há períodos em que preciso fazer algo diferente, entende? Quebrar a monotonia. Esse é um tema vasto e rico, tenho de escrever mais a respeito e o farei, mas, por ora, antecipo que ando salivando por Cointreaus e Frangélicos. Não me julgue, seguirei com o assunto. Agora vou parar um pouco, porque me deu sede.
DAVID COIMBRA
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