segunda-feira, 9 de março de 2009



09 de março de 2009
N° 15902 - PAULO SANT’ANA


O aborto e a excomunhão

Este caso da menina de nove anos que ficou grávida de gêmeos concebidos por estupro de seu padrasto envolve um dos mais lancinantes dramas da vida humana.

Por todos os ângulos, o episódio aturde a consciência, agride a sensibilidade, desafia a inteligência, derrete o coração.

Além do estupro, a menina tem apenas nove anos. E essa violência é ainda temperada por uma das maiores agressões à instituição familiar: o incesto.

Não bastassem todos esses ingredientes brutais, ainda mais comove o caso porque a solução para ele encontrada se reveste também de outra grave violência: o aborto.

Difícil calcular a dor e o trauma que dominam o ser frágil dessa menininha de nove anos.

Como ela poderá resistir, na vida atormentada que lhe resta, a tantos golpes do infortúnio?

Para agravar ainda mais o seu destino, ela gestou dois gêmeos em seu ventre. Se já é difícil aceitar filosoficamente o aborto de um só feto, imagine-se de dois.

Eu também, como os médicos que praticaram o aborto, teria levado à frente o procedimento de interrupção da gravidez pela cirurgia abortiva.

Mas calculo o drama que invadiu a alma dos cirurgiões ao cumprirem o seu espinhoso dever.

Para colorir de tintas ainda mais sinistras este caso dantesco, sobreveio a confirmação eclesiástica de excomunhão para os médicos que praticaram o aborto.

Havia dois motivos legais para ser feito o aborto: o estupro e a preservação da vida ou da integridade física da gestante, segundo a lei brasileira.

Mas a obstinação religiosa pela defesa da vida nos casos de aborto é tão intransigente, que a Igreja Católica chega ao ponto, visivelmente ilustrado neste episódio, de não permitir o aborto nem quando for para salvar a vida da gestante.

Ou seja, a Igreja não concede ao Estado a legítima defesa da vida da gestante.

Mesmo que a medicina ateste que uma gestante de nove anos de idade tem seus órgãos ainda mal formados e não resistirá nem à gestação nem ao parto de dois gêmeos, vindo a falecer, ainda assim a Igreja resistirá em sua posição de defesa peremptória do curso gestatório, protegendo assim mais a vida provável dos fetos que a vida real e concreta da gestante.

E, se não bastassem tantos elementos estarrecedores para martelar os espíritos de todos que tomamos conhecimento deste caso, um ainda para mim se torna intrigante: em nenhum canto do noticiário foi levado em conta o detalhe da opinião da gestante.

Será que se a menina fosse consultada concordaria com o aborto? O aborto foi feito sem levar em conta a sua vontade?

Sei que por ter nove anos a vontade da menina é relativa, ela teria de ser assistida por tutela para manifestar-se.

E sei também que a vontade dessa menina estava viciada desde que foi estuprada pelo padrasto. A minha experiência policial em Tapes, durante alguns anos, mostrou-me que as inúmeras filhas estupradas por seus pais ignoravam que o incesto de que eram alvo era ilícito, sequer infamante.

Elas faziam sexo com seus pais porque acreditavam que era normal fazer sexo com seus pais, tal o grau de sua ignorância e alienação em seu meio rural distante da civilização.

O fato é que este caso, pela brutalidade e inexplicabilidade da condição humana, deixou-me mais do que perplexo: nocauteou-me nas melhores esperanças que tinha de entender a vida e compreender os fenômenos que regem as relações sociais.

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