quinta-feira, 8 de dezembro de 2022


08 DE DEZEMBRO DE 2022
CAPA

Quatro décadas de cultura

Museu do Trabalho comemora sua longevidade como instituição independente com exposição do artista André Severo

- São 40 anos de guerra - brinca o administrador e curador do Museu do Trabalho, Hugo Gusmão, 60 anos, sobre as quatro décadas do espaço, completadas ontem.

Instalado em galpões da Superintendência de Portos e Hidrovias, no começo da Rua dos Andradas, no centro de Porto Alegre, o museu sobrevive de maneira independente, conta Gusmão. O administrador do espaço acrescenta que "volta e meia" diz que vai fechar as portas, pela dificuldade de manter a instituição e também pelo cansaço - está à frente do local desde 1987.

- Mas não adianta, todo ano estou aqui de novo. Estou aqui há 35 anos, mais da metade da minha vida - salienta, recordando que acabou embarcando no museu sem grandes pretensões, começando como um auxiliar para a criação de um álbum de gravuras, e foi ficando, até se tornar o administrador.

Inaugurado em 7 de dezembro de 1982, o Museu do Trabalho teve como um dos seus idealizadores o sociólogo Marcos Flávio Soares, que tinha como ideia instalar um centro cultural voltado para as diferentes formas de manifestação artística, com ênfase no resgate da história do trabalho, na Usina no Gasômetro. Porém, desencontros de interesses, na época, impossibilitaram o movimento.

Assim, o museu foi parar, até então provisoriamente, nos galpões meio largados às traças da Rua dos Andradas. Ali, acabou ficando e se tornou um espaço que enaltece a cultura e serve como ponte entre jovens e veteranos artistas visuais, além de contar com um teatro, administrado pela Cia. Ronald Radde, e uma sala de dança, em parceria com a companhia de Carlota Albuquerque, abrangendo as artes cênicas.

- Quando comecei, não tínhamos dinheiro nem para pagar a conta de luz. Fazíamos rateio, eu fazia vale com a minha namorada para conseguir deixar as contas em dia. Com o tempo, o pessoal foi pegando confiança e reconhecendo o Museu do Trabalho, que virou referência de um espaço alternativo - recorda Gusmão.

Em suas quatro décadas de história, o museu já abrigou cerca de 270 exposições de artistas locais, nacionais e até internacionais. E tudo isso, relembra Gusmão, de maneira independente, sem verba pública injetada na instituição.

- Temos que criar a grana aqui para pagar as contas do mês, para conseguir patrocinar as exposições, porque não gosto de trabalhar com esses editais públicos. Me incomoda muito ver a bandeirinha dizendo "pátria amada Brasil" nas coisas do museu. Prefiro a coisa limpa, alternativa - aponta Gusmão, destacando que a principal fonte de renda da instituição é o Consórcio de Gravuras, em que um grupo de pessoas paga uma assinatura e recebe obras produzidas no local como recompensa.

Gusmão idealiza um museu mais forte no futuro e, para isso, espera conseguir da Superintendência de Portos e Hidrovias o termo de cessão de uso dos galpões - até hoje, o espaço é cedido por meio de comodato "de boca". É necessário, de acordo com o administrador, um documento como garantia para que se possa buscar uma grande reforma em editais.

- É muito trabalhoso cuidar desse galpão aqui. Cada tormenta que vem levanta telha, surge uma goteira nova, tem sempre um problema. Temos que fazer manutenção quase diária, subir no telhado a cada 15 dias para limpar as calhas, porque senão transborda água para dentro do teatro, para dentro da sala de dança - enfatiza.

Apesar das dificuldades, Gusmão aponta que 2022 foi um "bom ano" e conseguiu manter as contas pagas. Além do Consórcio de Gravuras, há as mensalidades do teatro, os cursos pagos pelos alunos, as parcerias com artistas e outras instituições, bem como as doações de obras de arte para o museu, usadas para fazer dinheiro. Com isso, ainda deu para executar o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) e reformar parte da estrutura dos galpões, que possuem quase cem anos.

- Sempre brinco que o Museu do Trabalho é o primo pobre dos museus - diz Gusmão, aos risos. - Mas estamos bem, com a agenda cheia até 2024. Somos muito procurados e agora pintamos o museu, tudo com dinheiro nosso.

Ponte

Em comemoração aos 40 anos do museu, André Severo abre hoje, às 13h30min, a exposição Fachada/Cinema, que segue até 22 de janeiro de 2023. A mostra conta com duas instalações produzidas especialmente para a data.

O artista, que frequenta o espaço desde os anos 1990, busca com as suas obras criar um momento de reflexão não somente sobre sua produção nos últimos 25 anos mas também sobre as transformações que ocorreram no próprio museu ao longo de quatro décadas.

- Acho esse museu essencial no contexto da cidade, do Estado, porque tem uma função que hoje é muito específica: é quase como a porta de entrada para as novas gerações. Só que como o museu já tem essa longa trajetória, acaba sendo uma ponte entre as gerações - explica Severo.

CARLOS REDEL

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