sexta-feira, 30 de dezembro de 2022


30 DE DEZEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

O Brasil morreu

Pelé é sinônimo de Brasil. O Brasil morreu. Nunca imaginamos viver tal enterro, tal comoção, tal velório. 2022 será o ano em que Pelé se despediu da humanidade. É como perder a nossa explicação de país, de onde moramos, de quem somos.

Para os estrangeiros, Brasil é Pelé. Ele era o nosso visto no passaporte, nossos antecedentes, nossos pré-requisitos, nossas recomendações. Mais do que o Carnaval ou o café, mais do que o samba ou a alegria.

Era o rei eleito pelo povo, a nossa única unanimidade, o sorriso brejeiro de quem chegou no auge e não perdeu a majestade com o desenrolar da vida. Sua carreira foi perfeita. Não existe flagrante de um tropeço, uma pisada, um descuido, um escorregão, um carrinho de Pelé.

Seus olhos proféticos enxergavam o lance antes de sua consumação. Ele sabia sempre aonde a bola iria cair. Ele bailava com a bola, sua parceira de dança, até que ela pousasse no fundo das redes. Ninguém cuidou de uma bola com igual capricho e atração.

Há quem beije a bola, mas só com Pelé a bola retribuía e beijava de volta. Jamais existirá um outro Pelé - gênio vem, gênio se despede dos gramados e não há concorrente. Pelé elevou o patamar de excelência a um nível impossível de ser superado. A um patamar insuportável. Ele era um alienígena perto de qualquer mortal. O melhor do mundo não é capaz de ser o melhor de todos os tempos como ele.

Em apenas um time, o Santos, ele marcou 1.091 dos seus 1.283 gols ao longo da trajetória, levando o clube santista a conquistar duas Copas Libertadores da América e dois Mundiais Interclubes. E ele era tão fora da curva que alcançou a marca do milésimo gol em 1969, muito antes de sua aposentadoria, em 1977.

Pelé acumulou recordes, façanhas, milagres. As torcidas adversárias frequentavam as arquibancadas para saudá-lo mais do que para torcer pelos seus times. Ele parou uma guerra civil na Nigéria, em 1969, em inédito cessar-fogo na cidade de Benin, para que situacionistas e separatistas pudessem acompanhar o ídolo em campo. Aos 17 anos, na Suécia, já brilhava numa Copa do Mundo, com dois gols na final, um deles com direito a chapeuzinho no defensor. 

Popularizou o esporte nos Estados Unidos, jogando pelo Cosmos e atraindo público de 60 mil pessoas aos estádios, algo que nunca tinha acontecido para o futebol em solo americano. Ficou famoso até pelos quase gols, como o do chute de meio de campo contra a Tchecoslováquia e a finta de corta-luz contra o Uruguai.

O tricampeão do mundo (1958, 1962 e 1970) aprendeu a se desvencilhar dos goleiros sendo goleiro na infância. Seu apelido é uma derivação oral do Bilé, como era chamado nas peladas em Bauru pelos colegas quando atuava debaixo das traves.

Talvez tenha sido um goleiro disfarçado de atacante. Talvez esse tenha sido o segredo da sua altura, transferindo aos pés a exatidão e a ciência das mãos.

Tornou-se um assombro de agilidade, elasticidade, velocidade, drible. Suas cabeçadas tinham um impulso de um arqueiro matador. Suas bicicletas tinham a coreografia de um arqueiro que trocou de lado. Ele construía pontes, viadutos, passarelas da beleza na pequena área.

Se você não viu o Pelé jogar, tudo o que você vê de sublime no futebol veio de Pelé. Quis o destino que o atleta do século partisse logo depois de uma Copa do Mundo, a maior festa do futebol. Para lembrar que esse palco sempre será dele. Se Thomas Edison inventou a lâmpada, o mineiro Edson Arantes do Nascimento inventou a luz própria. Sua camisa 10 virou luz.

CARPINEJAR

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