12 DE DEZEMBRO DE 2022
CLÁUDIA LAITANO
A Copa do cinema
O vencedor da Copa do Mundo do cinema foi anunciado no início deste mês. O filme que encabeça a lista dos cem mais votados chama-se Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975) e foi dirigido pela cineasta belga Chantal Akerman (1950-2015).
Se a seleção do Catar, avançando além da primeira fase, conseguisse derrotar o time do Tite na final, a surpresa talvez não fosse tão grande. Partindo de um discreto 36º lugar na votação anterior, realizada em 2012, Jeanne Dielman disparou até o topo, batendo o pentacampeão Cidadão Kane (terceiro lugar), o último vencedor da enquete, Um Corpo que Cai (segundo lugar), e o favorito nas listas de apostas para este ano, 2001 (sexto lugar).
A "Copa do cinema" é realizada desde 1952 pela revista Sight & Sound, em associação com o British Film Institute. Funciona como um colégio eleitoral: a cada 10 anos, críticos, acadêmicos e programadores de cinema são convidados a escolher os 10 maiores filmes de todos os tempos, conforme seus próprios critérios - neste ano, foram mais de 1,6 mil votantes. Os cem filmes mais citados são reunidos no ranking final, que, como não poderia deixar de ser, muda bastante a cada nova década, refletindo os gostos e o espírito de cada época.
Ao contrário da Copa de futebol, que acaba quando o campeão levanta a taça, a Copa dos cinéfilos é apenas um pontapé inicial: cada nova lista é um convite para ver e rever filmes, descobrir novos diretores, montar a própria seleção. Não tem mata-mata, só ganha-ganha. Ainda assim, a vitória de Jeanne Dielman não foi exatamente pacífica. Antes de mais nada, porque se trata de uma obra experimental, perturbadora, sem qualquer pretensão de arrastar multidões para o cinema como outros títulos que sempre aparecem no ranking, como Cantando na Chuva (10º lugar) ou O Poderoso Chefão (12º lugar). Além disso, houve algum espanto com a estreia de duas mulheres (além de Akerman, Claire Denis, com Beau Travail, na sétima posição) no pelotão dos 10 primeiros.
Vive la diversité. Jeanne Dielman é a prova de que algumas histórias nunca são contadas se as pessoas com a câmera na mão e as ideias na cabeça têm sempre a mesma cor ou o mesmo sexo. O filme acompanha a rotina de uma dona de casa às voltas com as tarefas banais do dia a dia: descascar batatas, arrumar a cama, fazer compras no mercado, servir as refeições do filho... Todos os dias, tudo igual - até que tudo muda. Detalhe: quase toda a equipe envolvida na produção do filme era composta por mulheres.
Aos 24 anos, Chantal Akerman não apenas conseguiu tornar palpável a passagem do tempo como conferiu grandiosidade cinematográfica ao mais invisível dos ofícios. Concorde-se ou não com a lista final, é desse tipo de material que são feitos os grandes campeões.
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